quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A DECLARAÇÃO DE CHICAGO SOBRE A INERRÂNCIA DA BÍBLIA


Prefácio


A autoridade das Escrituras é um tema-chave para a igreja cristã, tanto desta como de qualquer outra época. Aqueles que professam fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador são chamados a demonstrar a realidade de seu discipulado cristão mediante obediência humilde e fiel à Palavra escrita de Deus. Afastar-se das Escrituras, tanto em questões de fé quanto de conduta, é deslealdade para com nosso Mestre. Para que haja uma compreensão plena e uma confissão correta da autoridade das Sagradas Escrituras é essencial um reconhecimento da sua total veracidade e confiabilidade.
A Declaração a seguir afirma sob nova forma essa inerrância das Escrituras, esclarecendo nosso entendimento a respeito dela e advertindo contra sua negação. Estamos convencidos de que negá-la é ignorar o testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo e rejeitar aquela submissão às alegações da própria Palavra de Deus, submissão esta que caracteriza a verdadeira fé cristã. Entendemos que é nosso dever nesta hora fazer esta afirmação diante dos atuais desvios da verdade da inerrância entre nossos irmãos em Cristo e diante do entendimento errôneo que esta doutrina tem tido no mundo em geral.
Esta Declaração consiste de três partes: uma Declaração Resumida, Artigos de Afirmação e Negação e uma Explanação. Preparou-se a Declaração durante uma consulta de três dias de duração, realizada em Chicago, nos Estados Unidos. Aqueles que subscreveram a Declaração Resumida e os Artigos desejam expressar suas próprias convicções quanto à inerrância das Escrituras e estimular e desafiar uns aos outros e a todos os cristãos a uma compreensão e entendimento cada vez maiores desta doutrina. Reconhecemos as limitações de um documento preparado numa conferência rápida e intensiva e não propomos que esta Declaração receba o valor de um credo. Regozijamo-nos, no entanto, com o aprofundamento de nossas próprias convicções através dos debates que tivemos juntos e oramos para que esta Declaração que assinamos seja usada para a glória de nosso Deus com vistas a uma nova reforma da igreja no que tange à sua fé, vida e missão.
Apresentamos esta Declaração não num espírito de contenda, mas de humildade e amor, que, com a graça de Deus, pretendemos manter em qualquer diálogo que, no futuro, surja daquilo que dissemos. Reconhecemos, com satisfação, que muitos que negam a inerrância das Escrituras não apresentam em suas crenças e comportamento as conseqüências dessa negação, e estamos conscientes de que nós, que confessamos essa doutrina, freqüentemente a negamos em nossas vidas, por deixarmos de colocar nossos pensamentos e orações, tradições e costumes, em verdadeira sujeição à Palavra divina.
Qualquer pessoa que veja razões, à luz das Escrituras, para fazer emendas às afirmações desta Declaração sobre as próprias Escrituras (sob cuja autoridade infalível estamos, enquanto falamos), é convidada a fazê-lo. Não alegamos nenhuma infalibilidade pessoal para o testemunho que damos e seremos gratos por qualquer ajuda que nos possibilite fortalecer esse testemunho acerca da Palavra de Deus.

UMA BREVE DECLARAÇÃO
1. Deus, sendo ele próprio a Verdade e falando somente a verdade, inspirou as Sagradas Escrituras a fim de, desse modo, revelar-se à humanidade perdida, através de Jesus Cristo, como Criador e Senhor, Redentor e Juiz. As Escrituras Sagradas são o testemunho de Deus sobre si mesmo.
2. As Sagradas Escrituras, sendo a própria Palavra de Deus, escritas por homens preparados e supervisionados por seu Espírito, possuem autoridade divina infalível em todos os assuntos que abordam: devem ser cridas, como mandamento divino, em tudo o que determinam; aceitas, como penhor divino, em tudo que prometem.
3. O Espírito Santo, seu divino Autor, ao mesmo tempo no-las confirma através de seu testemunho interior e abre nossas mentes para compreender seu significado.
4. Tendo sido na sua totalidade e verbalmente dadas por Deus, as Escrituras não possuem erro ou falha em tudo o que ensinam, quer naquilo que afirmam a respeito dos atos de Deus na criação e dos acontecimentos da história mundial, quer no testemunho que dão sobre a graça salvadora de Deus na vida das pessoas.
5. A autoridade das Escrituras fica inevitavelmente prejudicada, caso essa inerrância divina absoluta seja de alguma forma limitada ou desconsiderada, ou caso dependa de um ponto de vista acerca da verdade que seja contrário ao próprio ponto de vista da Bíblia; e tais desvios provocam sérias perdas tanto para o indivíduo quanto para a igreja.


ARTIGOS DE AFIRMAÇÃO E NEGAÇÃO

ARTIGO I
Afirmamos que as Sagradas Escrituras devem ser recebidas como a Palavra oficial de Deus.
Negamos que a autoridade das Escrituras provenha da Igreja, da tradição ou de qualquer outra fonte humana.
ARTIGO II
Afirmamos que as Sagradas Escrituras são a suprema norma escrita, pela qual Deus compele a consciência, e que a autoridade da Igreja está subordinada à das Escrituras.
Negamos que os credos, concílios ou declarações doutrinárias da Igreja tenham uma autoridade igual ou maior do que a autoridade da Bíblia.
ARTIGO III
Afirmamos que a Palavra escrita é, em sua totalidade, revelação dada por Deus.
Negamos que a Bíblia seja um mero testemunho a respeito da revelação, ou que somente se torne revelação mediante encontro, ou que dependa das reações dos homens para ter validade.
ARTIGO IV
Afirmamos que Deus, que fez a humanidade à sua imagem, utilizou a linguagem como um meio de revelação.
Negamos que a linguagem humana seja limitada pela nossa condição de sermos criaturas, a tal ponto que se apresente imprópria como veículo de revelação divina. Negamos ainda mais que a corrupção, através do pecado, da cultura e linguagem humanas tenha impedido a obra divina de inspiração.
ARTIGO V
Afirmamos que a revelação de Deus dentro das Sagradas Escrituras foi progressiva.
Negamos que revelações posteriores, que podem completar revelações mais antigas, tenham alguma vez corrigido ou contradito tais revelações. Negamos ainda mais que qualquer revelação normativa tenha sido dada desde o término dos escritos do Novo Testamento.
ARTIGO VI
Afirmamos que a totalidade das Escrituras e todas as suas partes, chegando às próprias palavras do original, foram dadas por inspiração divina.
Negamos que se possa corretamente falar de inspiração das Escrituras, alcançando-se o todo mas não as partes, ou algumas partes mas não o todo.
ARTIGO VII
Afirmamos que a inspiração foi a obra em que Deus, por seu Espírito, através de escritores humanos, nos deu sua Palavra. A origem das Escrituras é divina. O modo como se deu a inspiração permanece em grande parte um mistério para nós.
Negamos que se possa reduzir a inspiração à capacidade intuitiva do homem, ou a qualquer tipo de níveis superiores de consciência.
ARTIGO VIII
Afirmamos que Deus, em sua obra de inspiração, empregou as diferentes personalidades e estilos literários dos escritores que ele escolheu e preparou.
Negamos que Deus, ao fazer esses escritores usarem as próprias palavras que ele escolheu, tenha anulado suas personalidades.
ARTIGO IX
Afirmamos que a inspiração, embora não outorgando onisciência, garantiu uma expressão verdadeira e fidedigna em todas as questões sobre as quais os autores bíblicos foram levados a falar e a escrever.
Negamos que a finitude ou a condição caída desses escritores tenha, direta ou indiretamente, introduzido distorção ou falsidade na Palavra de Deus.

ARTIGO X
Afirmamos que, a rigor, a inspiração diz respeito somente ao texto autográfico das Escrituras, o qual, pela providência de Deus, pode-se determinar com grande exatidão a partir de manuscritos disponíveis. Afirmamos ainda mais que as cópias e traduções das Escrituras são a Palavra de Deus na medida em que fielmente representam o original.
Negamos que qualquer aspecto essencial da fé cristã seja afetado pela falta dos autógrafos. Negamos ainda mais que essa falta torne inválida ou irrelevante a afirmação da inerrância da Bíblia.
ARTIGO XI
Afirmamos que as Escrituras, tendo sido dadas por inspiração divina, são infalíveis, de modo que, longe de nos desorientar, são verdadeiras e confiáveis em todas as questões de que tratam.
Negamos que seja possível a Bíblia ser, ao mesmo tempo, infalível e errônea em suas afirmações. Infalibilidade e inerrância podem ser distinguidas, mas não separadas.
ARTIGO XII
Afirmamos que, em sua totalidade, as Escrituras são inerrantes, estando isentas de toda falsidade, fraude ou engano.
Negamos que a infalibilidade e a inerrância da Bíblia estejam limitadas a assuntos espirituais, religiosos ou redentores, não alcançando afirmações de natureza histórica e científica. Negamos ainda mais que hipóteses científicas acerca da história da terra possam ser corretamente empregadas para desmentir o ensino das Escrituras a respeito da criação e do dilúvio.
ARTIGO XIII
Afirmamos a propriedade do uso de inerrância como termo teológico referente à total veracidade das Escrituras.
Negamos que seja correto avaliar as Escrituras de acordo com padrões de verdade e erro estranhos ao uso ou propósito da Bíblia. Negamos ainda mais que a inerrância seja contestada por fenômenos bíblicos, tais como uma falta de precisão técnica contemporânea, irregularidades de gramática ou de ortografia, descrições da natureza feitas com base em observação, referência a falsidades, uso de hipérbole e números arredondados, disposição do material por assuntos, diferentes seleções de material em relatos paralelos ou uso de citações livres.
ARTIGO XIV
Afirmamos a unidade e a coerência interna das Escrituras.
Negamos que alegados erros e discrepâncias que ainda não tenham sido solucionados invalidem as declarações da Bíblia quanto à verdade.
ARTIGO XV
Afirmamos que a doutrina da inerrância está alicerçada no ensino da Bíblia acerca da inspiração.
Negamos que o ensino de Jesus acerca das Escrituras possa ser desconsiderado sob o argumento de adaptação ou de qualquer limitação natural decorrente de sua humanidade.
ARTIGO XVI
Afirmamos que a doutrina da inerrância tem sido parte integrante da fé da Igreja ao longo de sua história.
Negamos que a inerrância seja uma doutrina inventada pelo protestantismo escolástico ou que seja uma posição defendida como reação contra a alta crítica negativa.

ARTIGO XVII
Afirmamos que o Espírito Santo dá testemunho acerca das Escrituras, assegurando aos crentes a veracidade da Palavra de Deus escrita.
Negamos que esse testemunho do Espírito Santo atue isoladamente das Escrituras ou em oposição a elas.
ARTIGO XVIII
Afirmamos que o texto das Escrituras deve ser interpretado mediante exegese histórico-gramatical, levando em conta suas formas e recursos literários, e que as Escrituras devem interpretar as Escrituras.
Negamos a legitimidade de qualquer abordagem do texto ou de busca de fontes por trás do texto que conduzam a um revigoramento, desistorização ou minimização de seu ensino, ou a uma rejeição de suas afirmações quanto à autoria.
ARTIGO XIX
Afirmamos que uma confissão da autoridade, infalibilidade e inerrância plenas das Escrituras é vital para uma correta compreensão da totalidade da fé cristã. Afirmamos ainda mais que tal confissão deve conduzir a uma conformidade cada vez maior à imagem de Cristo.
Negamos que tal confissão seja necessária para a salvação. Contudo, negamos ainda mais que se possa rejeitar a inerrância sem graves conseqüências, quer para o indivíduo, quer para a Igreja.
Notas
1. Essas confissões luteranas podem ser encontradas em Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 3 vols. (Grand Rapids: Baker, reimpressão da edição de 1931), 3:3-73, 93-180.
2. Não incluí a frase “desceu ao inferno”, porque não é confirmada nas versões mais antigas do Credo Apostólico e por causa das dificuldades doutrinárias associadas com ela (veja a discussão mais detalhada no capítulo 27, p. 489-496).
3. A frase “e do Filho” foi acrescentada depois do Concílio de Constantinopla em 381, mas é normalmente incluída no texto do Credo de Nicéia usado pelas igrejas católicas e protestantes hoje. A frase não aparece no texto usado pelas igrejas ortodoxas. (Veja a discussão no capítulo 14, p. 181-182.) A frase “Deus de Deus” não estava no versão de 381 mas somente na de 325 e é normalmente incluída hoje.

MENSAGEM E FÉ BATISTA


Convenção Batista do Sul dos EUA
(1925, revisada em 1963)

I. DAS ESCRITURAS
A Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados e é o registro da revelação do próprio Deus ao homem. É um tesouro perfeito de instrução divina. Tem Deus por seu autor, salvação por sua finalidade, e verdade sem qualquer mistura de erro em seu conteúdo. Ela revela os princípios pelos quais Deus nos julgará; e, portanto, é e permanecerá até o fim do mundo o verdadeiro centro de união cristã, sendo o padrão supremo pelo qual toda conduta e todos os credos e opiniões humanas devem ser julgados. O critério pelo qual a Bíblia deve ser interpretada é Jesus Cristo.

II. DEUS
Há um e somente um Deus vivo e verdadeiro. Ele é um ser inteligente, espiritual e pessoal, o Criador, o Redentor, o Sustentador e o Senhor do universo. Deus é infinito em santidade e em todas as outras perfeições. A ele devemos supremo amor, reverência e obediência. O eterno Deus revela-se a nós como Pai, Filho e Espírito Santo, com atributos pessoais distintos, mas sem divisão de natureza, de essência ou de ser.

1. DEUS, O PAI
Deus como Pai reina com cuidado providencial sobre seu universo, sobre suas criaturas e sobre o fluxo da história humana, de acordo com os propósitos de sua graça. Ele é todo poder, todo amor e todo sabedoria. Deus é Pai em verdade para os que se tornaram filhos de Deus através da fé em Jesus Cristo. Ele é paternal em sua atitude para com todos os homens.

2. DEUS, O FILHO
Cristo é o eterno Filho de Deus. Em sua encarnação como Jesus Cristo foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu da virgem Maria. Jesus revelou perfeitamente a Deus e fez a vontade de Deus, tomando sobre si os requisitos e as necessidades da natureza humana, identificando-se completamente com o ser humano ainda que sem pecado. Ele honrou a lei divina por sua obediência pessoal, e em sua morte na cruz fez provisão para a redenção dos homens do pecado. Foi ressuscitado dentre os mortos em um corpo glorificado e apareceu aos seus discípulos como aquele que esteve com eles antes de sua crucificação. Subiu ao céu e agora está exaltado à direita de Deus, onde é o único Mediador, participando da natureza de Deus e do homem, e em cuja pessoa efetua-se a reconciliação entre Deus e o homem. Ele voltará em poder e glória para julgar o mundo e consumar sua missão redentora. Habita agora em todos os crentes como Senhor vivo e para sempre presente.

3. DEUS, O ESPÍRITO SANTO
O Espírito Santo é o Espírito de Deus. Ele inspirou santos homens do passado para escreverem as Escrituras. Através da iluminação capacita homens a entenderem a verdade. Ele exalta a Cristo. Convence do pecado, da justiça e do juízo. Chama os homens ao Salvador e efetua a regeneração. Desenvolve o caráter cristão, consola os crentes e concede dons espirituais pelos quais servem a Deus através de sua igreja. Ele sela o crente para o dia da redenção final. Sua presença no cristão é a segurança de que Deus trará o crente à plenitude da estatura de Cristo. Ilumina e capacita o crente e a igreja para a adoração, a evangelização e o serviço.

III. O HOMEM
O homem foi criado por um ato especial de Deus, à sua própria imagem, e é a obra coroadora de sua criação. No princípio o homem era inocente do pecado e dotado por seu Criador de liberdade de escolha. Por sua livre escolha o homem pecou contra Deus e trouxe o pecado para a raça humana. Através da tentação de Satanás o homem transgrediu o manda-mento de Deus e caiu de sua inocência original; por meio disso sua posteridade herdou uma natureza e uma disposição voltada para o pecado, e logo que são capazes de ação moral tornam-se transgressores e estão sob condenação. Somente a graça de Deus pode levar o homem à sua santa comunhão e capacita o homem a cumprir o propósito criativo de Deus. A natureza sagrada da personalidade humana é evidente no fato de que Deus criou o homem à sua própria imagem e de que Cristo morreu pelo homem; portanto, todo homem possui dignidade, sendo digno de respeito e amor cristão.

IV. A SALVAÇÃO
A salvação envolve a redenção do homem todo e é oferecida livremente a todos que aceitam Jesus Cristo como Senhor e Salvador, que por seu próprio sangue obteve eterna redenção em favor do crente. Em seus sentido mais amplo a salvação envolve regeneração, santificação e glorificação.
1. A regeneração, ou o novo nascimento, é a obra da graça de Deus, por meio da qual os crentes tornam-se novas criaturas em Cristo Jesus. É uma mudança de coração realizada pelo Espírito Santo através da convicção de pecado, à qual o pecador responde com arrependimento para com Deus e com fé no Senhor Jesus Cristo. O arrependimento e fé são experiências inseparáveis da graça. Arrependimento é um genuíno voltar-se do pecado para Deus. A fé é o aceitar de Jesus Cristo e a dedicação de toda a personalidade a ele como Senhor e Salvador. A justificação é a graciosa e plena absolvição da parte de Deus, com base nos princípios de sua justiça, de todos os pecadores que se arrependem e crêem em Cristo. A justificação traz o crente a um relacionamento de paz e de favor para com Deus.
2. A santificação é a experiência, que se inicia na regeneração, pela qual o crente é separado para os propósitos de Deus e capacitado a progredir à perfeição moral e espiritual através da presença e do poder do Espírito Santo que nele habita. O crescimento na graça deve prosseguir por toda a vida do regenerado.
3. A glorificação é a culminação da salvação e o bendito e duradouro estado final dos remidos.

V. O PROPÓSITO DA GRAÇA DE DEUS
A eleição é o propósito gracioso de Deus, de acordo com o qual ele regenera, santifica e glorifica pecadores. É coerente com a livre agência do homem e compreende todos os meios relacionados com o fim. É a gloriosa demonstração da bondade soberana de Deus, que é infinitamente sábio, santo e imutável. Exclui o orgulho e promove humildade.
Todos os verdadeiros crentes permanecem até o fim. Aqueles a quem Deus aceitou em Cristo, e santificou por seu Espírito, nunca cairão do estado de graça, mas perseverarão até o fim. Os crentes podem cair em pecado através da negligência e da tentação, por meio dos quais entristecem o Espírito, enfraquecem suas graças e consolos, trazendo reprovação à causa de Cristo e juízo temporal sobre eles mesmos, mesmo assim serão guardados pelo poder de Deus através da fé para a salvação.

VI. A IGREJA
Uma igreja neotestamentária do Senhor Jesus Cristo é um corpo local de crentes batizados, associados por aliança na fé e na comunhão do evangelho, que observa as duas ordenanças de Cristo, comprometida com os seus ensinos, que exerce seus dons, direitos e privilégios neles investidos por sua Palavra e que procura propagar o evangelho até os confins da terra.
Essa igreja é corpo autônomo, que opera através de processos democráticos sob o senhorio de Jesus Cristo. Em tal congregação, os membros são igualmente responsáveis. Seus oficiais bíblicos são pastores e diáconos.
O Novo Testamento fala também da igreja como o corpo de Cristo que inclui todos os remidos de todas as épocas.

VII. O BATISMO E A CEIA DO SENHOR
O batismo cristão é a imersão de um crente em água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É um ato de obediência que simboliza a fé do crente no Salvador crucificado, sepultado e ressurreto, a morte do crente para o pecado, o sepultamento da velha vida e a ressurreição para que se ande em novidade de vida em Cristo Jesus. É um testemunho da sua fé na ressurreição final dos mortos. Sendo uma ordenança da igreja, é um pré-requisito dos privilégios de ser membro da igreja e de participar da Ceia do Senhor.
A Ceia do Senhor é um ato simbólico de obediência pela qual os membros da igreja, através da participação do pão e do fruto da videira, recordam como memorial a morte do Redentor e antegozam sua segunda vinda.

VIII. O DIA DO SENHOR
O primeiro dia da semana é o dia do Senhor. É uma instituição cristã para ser observada regularmente. Comemora a ressurreição de Cristo dentre os mortos e deve ser empregado no exercício do culto e da devoção espiritual, tanto pública como privada, para refrear as diversões mundanas e para o descanso do trabalho secular, exceto o trabalho de necessidade e de misericórdia.

IX. O REINO
O reino de Deus inclui tanto sua soberania geral sobre o universo como o seu domínio particular sobre os homens que voluntariamente o reconhecem como Rei. Particularmente o reino é o domínio de salvação no qual entram os homens por seu compromisso confiante, semelhante ao de uma criança, com Jesus Cristo. Os cristãos devem orar e trabalhar para que venha o reino e para que à vontade de Deus seja feita na terra. A plena consumação do reino aguarda o retorno de Jesus Cristo e o final dessa era.

X. AS ÚLTIMAS COISAS
Deus, em seu próprio tempo e de seu próprio modo, levará o mundo ao final que lhe cabe. De acordo com sua promessa, Jesus Cristo voltará pessoal e visivelmente em glória a terra; os mortos serão ressuscitados; e Cristo julgará todos os homens em justiça. Os ímpios serão destinados ao inferno, o lugar de eterna punição. Os justos, em corpo ressurreto e glorificado, receberão sua recompensa e habitarão para sempre no céu com o Senhor.

XI. EVANGELIZAÇÃO E MISSÕES
É dever e privilégio de todo seguidor de Cristo e de toda igreja do Senhor Jesus Cristo esforçar-se para fazer discípulos de todas as nações. O novo nascimento do espírito do homem pelo Espírito Santo de Deus significa o nascimento de amor pelos outros. O esforço missionário da parte de todos baseia-se na necessidade espiritual da vida regenerada e é expresso e repetidamente ordenado nos ensinos de Cristo. É dever de todo filho de Deus procurar constantemente ganhar os perdidos para Cristo pelo esforço pessoal e por todos os outros métodos que se harmonizam com o evangelho de Cristo.

XII. A EDUCAÇÃO
A causa da educação no reino de Cristo é coordenada com a causa de missões e com a benevolência geral e deve receber juntamente com essas o generoso apoio das igrejas. Um sistema adequado de escolas cristãs é necessário para um programa espiritual completo em favor do povo de Cristo.
Na educação cristã deve haver equilíbrio adequado entre liberdade e responsabilidade acadêmicas. Em qualquer relacionamento comum da vida humana a liberdade é sempre limitada e nunca absoluta. A liberdade de um professor de uma escola, faculdade ou seminário cristão é limitada pela preeminência de Jesus Cristo, pela natureza autorizada das Escrituras e pelo propósito distinto para o qual existe a escola.

XIII. A MORDOMIA
Deus é a fonte de todas as bênçãos, temporais e espirituais; tudo o que temos e somos devemos a ele. Os cristãos têm uma dívida espiritual para com o mundo inteiro, uma santa administração no evangelho e uma mordomia obrigatória de seus bens. Estão, portanto, sob a obrigação de servi-lo com seu tempo, seus talentos e seus bens materiais; e devem reconhecer todos esses bens como confiados a eles para serem usados para a glória de Deus e para ajudar o próximo. De acordo com as Escrituras, os cristãos devem contribuir com seus bens de modo alegre, regular, sistemático, proporcional e liberalmente para o avanço da causa do Redentor na terra.

XIV. A COOPERAÇÃO
O povo de Cristo deve, conforme exigir a ocasião, organizar associações e convenções de modo a assegurar da melhor maneira a cooperação em favor dos grandes objetivos do reino de Deus. Tais organizações não possuem nenhuma autoridade sobre as outras nem sobre a igrejas. São entidades voluntárias e consultivas designadas para pôr em ação, combinar e dirigir as energias de nosso povo do modo mais eficiente. Os membros das igrejas neotestamentárias devem agir em mútua cooperação em levar adiante os ministérios missionário, educacional e de benevolência para a extensão do reino de Cristo. A unidade cristã no sentido do Novo Testamento é harmonia espiritual e cooperação voluntária para os fins comuns por parte de diversos grupos do povo de Cristo. A cooperação entre diversas denominações cristãs é desejável, quando o fim a ser alcançado é justificado em si mesmo e quando tal cooperação não envolve nenhuma violação de consciência nem compromete a lealdade a Cristo e à sua Palavra revelada no Novo Testamento.

XV. O CRISTÃO E A ORDEM SOCIAL
Todo cristão tem a obrigação de procurar tornar suprema à vontade de Cristo em sua própria vida e na sociedade humana. Meios e métodos usados para a melhoria da sociedade e para o estabelecimento da justiça entre os homens podem de fato ser permanentemente úteis somente quando estão fundamentados na regeneração do indivíduo pela graça salvadora de Deus em Cristo Jesus. O cristão deve opor-se no Espírito de Cristo a toda forma de ganância, de egoísmo e de vício. Deve trabalhar para prover ao órfão, ao necessitado, ao idoso, ao indefeso e ao enfermo. Todo cristão deve procurar colocar as atividades, o governo e a sociedade como um todo sob a influência dos princípios da justiça, da verdade e do amor fraternal. Para promover tais fins os cristãos devem estar prontos a trabalhar com todos os homens de boa vontade em qualquer causa nobre, sempre com o cuidado de agir em espírito de amor, sem comprometer a lealdade a Cristo e à sua verdade.

XVI. GUERRA E PAZ
É dever dos cristãos buscar paz com todos os homens, com base nos princípios da justiça. De acordo com o espírito e os ensinos de Cristo devem fazer tudo que puderem para pôr fim à guerra.
O verdadeiro remédio para a guerra é o evangelho de nosso Senhor. A suprema necessidade do mundo é aceitar seus ensinos em todos os assuntos individuais e nacionais e a aplicação prática da sua lei do amor.

XVII. A LIBERDADE RELIGIOSA
Deus somente é o Senhor da consciência e deixou-a livre das doutrinas e mandamentos humanos contrários à sua Palavra ou nela ausentes. A Igreja e o Estado devem estar separados. O Estado deve a toda igreja proteção e plena liberdade na busca de seus fins espirituais. Na providência de tal liberdade nenhum grupo eclesiástico ou denominação deve ser favorecido pelo Estado acima de outros. Ao governo civil, ordenado por Deus, é dever dos cristãos prestar leal obediência em tudo o que não for contrário à vontade revelada de Deus. A Igreja não deve valer-se do poder civil para executar sua própria obra. O evangelho de Cristo contempla apenas meios espirituais para alcançar seus fins. O Estado não tem direito de impor penalidades para opiniões religiosas de qualquer tipo. O Estado não tem direito de cobrar impostos para o sustento de nenhum tipo de religião. Uma Igreja livre em um Estado livre é o ideal cristão, o que implica no direito de livre e desimpedido acesso a Deus por parte de todos os homens e no direito de formar e propagar opiniões na esfera religiosa sem interferência do poder civil.

ARTIGOS DA RELIGIÃO (TRINTA E NOVE ARTIGOS)


(1571: Igreja Anglicana)



I. DA FÉ NA SANTÍSSIMA TRINDADE
Há um único Deus, vivo e verdadeiro, eterno, sem corpo, indivisível, não sujeito à paixões, de infinito poder, sabedoria e bondade; Criador e Sustentador de todas as coisas visíveis e invisíveis. E na unidade desta Divindade há três Pessoas, da mesma substância, poder e eternidade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

II. DO VERBO OU FILHO DE DEUS, QUE SE FEZ VERDADEIRO HOMEM
O Filho, que é o Verbo do Pai, gerado da eternidade do Pai, verdadeiro e sempiterno Deus, e consubstancial com o Pai, tomou a natureza humana no ventre da bendita Virgem e da sua substância; de sorte que as duas inteiras e perfeitas Naturezas, isto é, Divina e Humana, se uniram em uma Pessoa, para nunca mais se separarem, das quais resultou Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem; que verdadeiramente padeceu, foi crucificado, morto e sepultado, para reconciliar seu Pai conosco, e ser vítima, não só pela culpa original, mas também pelos atuais pecados dos homens.

III. DA DESCIDA DE CRISTO AO INFERNO
Assim como Cristo morreu por nós, e foi sepultado; assim também deve ser crido que desceu ao Inferno.

V. DA RESSURREIÇÃO DE CRISTO
Cristo verdadeiramente ressurgiu dos mortos e tomou de novo o seu corpo, com carne, ossos e tudo o mais pertencente à perfeição da natureza humana; com o que subiu ao Céu, e lá está assentado, até que volte a julgar todos os homens, no último dia.

V. DO ESPÍRITO SANTO
O Espírito Santo, procedente do Pai e do Filho, é da mesma substância, majestade e glória que o Pai e o Filho, verdadeiro e eterno Deus.

VI. DA SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS SAGRADAS PARA A SALVAÇÃO
As Escrituras Sagradas contêm todas as coisas necessárias para a salvação; de modo que tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar, não deve ser exigido de pessoa alguma que seja crido como artigo de Fé ou julgado como exigido ou necessário para a salvação. Pelo nome de Escrituras Sagradas entendemos os Livros canônicos do Antigo e Novo Testamentos, de cuja autoridade jamais houve qualquer dúvida na Igreja.


DOS NOMES E NÚMERO DOS LIVROS CANÔNICOS

Terceiro Livro de Esdras
Quarto Livro de Esdras
Livro de Tobias
Livro de Judite
O Restante do Livro de Ester
Livro da Sabedoria
Jesus Filho de Siraque O Profeta Baruque
O Cântico dos Três Mancebos
A História de Susana
De Bel e o Dragão
Oração de Manassés
Primeiro Livro dos Macabeus
Segundo Livro dos Macabeus

E os outros Livros, a igreja os lê para exemplo de vida e instrução de costumes; mas não os aplica para estabelecer doutrina alguma. São os seguintes:
Recebemos e contamos por canônicos todos os Livros do Novo Testamento, como são comumente recebidos.

VII. DO ANTIGO TESTAMENTO
O Antigo Testamento não é contrário ao Novo; porquanto em ambos, tanto no Antigo como no Novo, se oferece a vida eterna ao gênero humano, por Cristo, que é o único Mediador entre Deus e o homem, sendo Ele mesmo Deus o Homem. Portanto, não devem ser ouvidos os que pretendem que os antigos Pais só esperaram promessas transitórias. Ainda que a Lei de Deus, dada por meio de Moisés, no que respeita a Cerimônias e Ritos, não obrigue os cristãos, nem devam ser recebidos necessariamente os seus preceitos civis em nenhuma comunidade; todavia, não há cristão algum que esteja isento da obediência aos Mandamentos que se chamam Morais.

VIII. DOS CREDOS
O Credo de Nicéia e o que normalmente se chama Credo dos Apóstolos devem ser inteiramente recebidos e cridos; porque se podem provar com garantias inegáveis das Escrituras Sagradas.

IX. DO PECADO ORIGINAL
O Pecado Original não consiste na imitação de Adão (como em vão propagam os pelagianos); é, porém, a falta e corrupção da Natureza de todo homem, gerado naturalmente da semente de Adão; pelas quais o homem dista muitíssimo da retidão original e é de sua própria natureza inclinado ao mal, de sorte que a carne sempre cobiça contra o Espírito; e, por isso, toda a pessoa que nasce neste mundo merece a ira e a condenação de Deus. E esta contaminação da natureza ainda permanece também nos regenerados, pela qual o apetite carnal, chamado em grego phronÂma sarkos (que uns interpretam sabedoria e outros, sensualidade, outros, afeição, e outros, desejo carnal), não é sujeito à Lei de Deus. E apesar de que não há condenação para os que crêem e são batizados, contudo o Apóstolo confessa que a concupiscência e luxúria têm de si mesmas a natureza do pecado.

X. DO LIVRE-ARBÍTRIO
A condição do Homem depois da queda de Adão é tal que ele não pode converter-se e preparar-se a si mesmo, por sua própria força natural e boas obras, para a fé e invocação a Deus. Portanto, não temos o poder de fazer boas obras agradáveis e aceitáveis a Deus, sem que a graça de Deus por Cristo nos preceda, para que tenhamos boa vontade, e coopere conosco enquanto temos essa boa vontade.

XI. DA JUSTIFICAÇÃO DO HOMEM
Somos reputados justos perante Deus, somente pelo mérito de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo pela Fé, e não por nossos próprios merecimentos e obras. Portanto, é doutrina mui saudável e cheia de consolação que somos justificados somente pela Fé, como se expõe mais amplamente na Homilia da Justificação.

XII. DAS BOAS OBRAS
Ainda que as Boas Obras, que são os frutos da Fé, e seguem a Justificação, não possam expiar os nossos pecados, nem suportar a severidade do juízo de Deus, são, todavia, agradáveis e aceitáveis a Deus em Cristo e brotam necessariamente de uma verdadeira e viva Fé; tanto que por elas se pode conhecer tão evidentemente uma Fé viva como uma árvore se julga pelo fruto.

XIII. DAS OBRAS ANTES DA JUSTIFICAÇÃO
As obras feitas antes da graça de Cristo e da Inspiração do seu Espírito, não são agradáveis a Deus, porquanto não procedem da fé em Jesus Cristo; nem fazem homens dignos de receber a graça, nem (como dizem os autores escolásticos) merecem a graça de congruidade; muito pelo contrário, visto que elas não são feitas como Deus quis e ordenou que fossem feitas, não duvidamos terem elas a natureza do pecado.

XIV. DAS OBRAS DE SUPERERROGAÇÃO
As obras voluntárias, que excedem os Mandamentos de Deus, e que se chamam Obras de Supererrogação, não se podem ensinar sem arrogância e impiedade; porque por elas declaram os homens que não se rendem a Deus tudo a que são obrigados, mas também a favor dele fazem mais do que como rigoroso dever lhes é exigido; ainda que Cristo claramente tenha dito: Quando fizerdes tudo o que vos está ordenado dizei: Somos servos inúteis.

XV. DE CRISTO ÚNICO SEM PECADO
Cristo, na verdade de nossa natureza, foi feito semelhante a nós em todas as coisas, exceto no pecado, do qual foi totalmente isento, tanto na sua carne como no seu Espírito. Ele veio para ser o Cordeiro imaculado, que, pelo sacrifício de si mesmo uma vez oferecido, tirou os pecados do mundo; e o pecado (como diz S. João) não estava nele. Mas nós, os demais homens, posto que batizados, e nascidos de novo em Cristo, ainda pecamos em muitas coisas; e se dissermos que não temos pecado, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós.

XVI. DO PECADO DEPOIS DO BATISMO
Nem todo pecado mortal voluntariamente cometido depois do Batismo é pecado contra o Espírito Santo, e irremissível. Pelo que não se deve negar a graça do arrependimento aos que tiverem caído em pecado depois do Batismo. Depois de termos recebido o Espírito Santo, podemos apartar-nos da graça concedida, e cair em pecado, e pela graça de Deus levantar-nos de novo, e corrigir nossa vida. Devem, portanto, ser condenados os que dizem que já não podem pecar mais, enquanto aqui vivem, ou os que negam a oportunidade de perdão às pessoas verdadeiramente arrependidas.

XVII. DA PREDESTINAÇÃO E ELEIÇÃO
A predestinação para a Vida é o eterno propósito de Deus, pelo qual (antes de lançados os fundamentos do mundo) tem constantemente decretado por seu conselho a nós oculto, livrar da maldição e condenação os que elegeu em Cristo dentre o gênero humano, e conduzi-los por Cristo à salvação eterna, como vasos feitos para honra. Por isso os que se acham dotados de um tão excelente benefício de Deus são chamados segundo o propósito de Deus, por seu Espírito, operando no tempo devido; pela Graça obedecem à vocação, são justificados gratuitamente; são feitos Filhos de Deus por adoção; são criados conforme à imagem de seu Unigênito Filho Jesus Cristo; vivem religiosamente em boas obras, e enfim chegam, pela misericórdia de Deus, à felicidade eterna.
Assim como a pia consideração da Predestinação, e da nossa Eleição em Cristo, é cheia de um doce, suave e inexplicável conforto para as pessoas devotas, e os que sentem em si mesmos a operação do Espírito de Cristo, mortificando as obras da carne, e seus membros terrenos, e elevando o seu pensamento às coisas altas e celestiais, não só porque muito estabelece e confirma a sua fé na salvação eterna que hão de gozar por meio de Cristo, mas porque de modo veemente acende o seu amor para com Deus; assim para as pessoas curiosas e carnais, destituídas do Espírito de Cristo, o ter de contínuo diante dos seus olhos a sentença da Predestinação de Deus é um precipício muitíssimo perigoso, por onde o Diabo as arrasta ao desespero, ou a que vivam na indignidade dos seres mais impuros, de maneira não menos perigosa que o desespero.
Além disso devemos receber as promessas de Deus do modo que nos são geralmente propostas nas Escrituras Sagradas e seguir em nossas obras a Vontade de Deus, que nos é expressamente declarada na sua Palavra.

XVIII. DA OBTENÇÃO DA SALVAÇÃO ETERNA UNICAMENTE PELO NOME DE CRISTO
Devem ser também tidos por amaldiçoados os que se atrevem a dizer que todo o homem será salvo pela Lei ou pela Seita que professa, contanto que seja cuidadoso em moldar sua vida segundo essa lei e o lume da Natureza. Porque as Sagradas Escrituras somente nos propõem o Nome de Jesus Cristo, como único meio pelo qual os homens se hão de salvar.

XIX. DA IGREJA
A Igreja visível de Cristo é uma congregação de fiéis, na qual é pregada a pura Palavra de Deus, e são devidamente ministrados os Sacramentos conforme a Instituição de Cristo em todas as coisas que necessariamente se exigem neles.
Assim como a Igreja de Jerusalém, de Alexandria e de Antioquia, erraram; assim também a Igreja de Roma errou, não só quanto às suas práticas, ritos e cerimônias, mas também em matéria de Fé.

XX. DA AUTORIDADE DA IGREJA
A Igreja tem poder de decretar Ritos ou Cerimônias e autoridade nas Controvérsias da Fé; todavia não é lícito à Igreja ordenar coisa alguma contrária à Palavra de Deus escrita, nem expor um lugar das Escrituras de modo que repugne a outro. Portanto, mesmo que a Igreja seja testemunha e guarda das Escritura Sagradas, todavia, assim como não é lícito decretar coisa alguma contra elas, também não deve obrigar que seja acreditada coisa alguma que nelas não se encontra, como necessária para a salvação.

XXI. DA AUTORIDADE DOS CONCÍLIOS GERAIS
Concílios Gerais não devem ser reunidos sem o mandamento e a vontade de Príncipes. E quando eles se reúnem (sendo uma assembléia de homens, onde nem todos são regidos pelo Espírito e pela Palavra de Deus) podem errar, e às vezes têm errado, mesmo nas coisas pertencentes a Deus. Portanto, o que por eles é ordenado como necessário à salvação não possui força nem autoridade, exceto se for declarado que eles o extraíram das Sagradas Escrituras.

XXII. DO PURGATÓRIO
A doutrina romana relativa a Purgatório, Indulgências, Veneração e Adoração tanto de Imagens como de Relíquias, e também a Invocação dos Santos, é uma coisa fútil e inventada em vão, que não se fundamenta em testemunho algum das Escrituras, mas ao contrário repugna a Palavra de Deus.

XXIII. DA MINISTRAÇÃO NA IGREJA
A ninguém é lícito tomar sobre si o cargo de pregar publicamente, ou administrar os Sacramentos na Congregação, antes que seja legalmente chamado, e enviado a executá-lo. E devemos julgar por legalmente chamados e enviados aqueles que tiverem sido escolhidos e chamados para essa obra pelos homens revestidos publicamente de autoridade, dada a eles na Congregação, para chamar e enviar Ministros à vinha do Senhor.

XXIV. DA LÍNGUA VERNÁCULA NO CULTO
Repugna evidentemente à Palavra de Deus e ao costume da Igreja Primitiva dizer Orações públicas na Igreja, ou administrar os Sacramentos em língua que o povo não entenda.

XXV. DOS SACRAMENTOS
Os Sacramentos instituídos por Cristo não são unicamente designações ou indícios da profissão dos cristãos, mas antes testemunhos certos e firmes, e sinais eficazes da graça e da boa vontade de Deus para conosco, pelos quais ele opera invisivelmente em nós, e não só vivifica, mas também fortalece e confirma a nossa Fé nele.
São dois os Sacramentos instituídos por Cristo nosso Senhor no Evangelho, isto é, o Batismo e a Ceia do Senhor.
Os cinco vulgarmente chamados Sacramentos, isto é, Confirmação, Penitência, Ordens, Matrimônio, Extrema Unção, não devem ser contados como Sacramentos do Evangelho, tendo em parte emanado de uma viciosa imitação dos Apóstolos, e sendo em parte estados de vida aprovados nas Escrituras; não têm, contudo, a mesma natureza de Sacramentos peculiar ao Batismo e à Ceia do Senhor, porque não têm sinal algum visível ou cerimônia instituída por Deus.
Os Sacramentos não foram instituídos por Cristo para servirem de espetáculo, ou para serem levados em procissão, mas sim para os utilizarmos da forma devida. É só nas pessoas que dignamente os recebem é que há um saudável efeito ou operação; mas os que indignamente os recebem adquirem para si mesmos a condenação, como diz São Paulo.

XXVI. DA INDIGNIDADE DOS MINISTROS, A QUAL NÃO IMPEDE O EFEITO DOS SACRAMENTOS
Ainda que na Igreja visível os maus sempre estejam misturados com os bons, e às vezes os maus tenham a principal autoridade na Administração da Palavra e dos Sacramentos, todavia, como não o fazem em seu próprio nome mas no de Cristo, e em comissão e por autoridade dele administram, podemos usar do seu Ministério, tanto em ouvir a Palavra de Deus, como em receber os Sacramentos. Nem o efeito da ordenança de Cristo é tirado pela sua iniqüidade; nem a graça dos dons de Deus diminui para as Pessoas que com fé e devidamente recebem os Sacramentos que se lhes administram; os quais são eficazes por causa da instituição e promessa de Cristo apesar de serem administrados por homens maus.
Não obstante, à disciplina da Igreja pertence que se inquira acerca dos Ministros maus, e que sejam estes acusados por quem tenha conhecimento de seus crimes; e sendo, enfim, reconhecidos culpados, sejam depostos mediante justa sentença.

XXVII. DO BATISMO
O Batismo não é um sinal de profissão, e marca de diferença, com que se distinguem os Cristãos dos que o não são, mas também um sinal de Regeneração ou Novo Nascimento, pelo qual, como por instrumento, os que recebem o Batismo devidamente são enxertados na Igreja; as promessas da remissão dos pecados, e da nossa adoção como Filhos de Deus pelo Espírito Santo, são visivelmente marcadas e seladas, a Fé é confirmada, e a Graça, aumentada por virtude da oração a Deus.
O Batismo das Crianças deve conservar-se de qualquer modo na Igreja como sumamente conforme à instituição de Cristo.

XXVIII. DA CEIA DO SENHOR
A Ceia do Senhor não só é um sinal do mútuo amor que os cristãos devem ter uns para com os outros; mas antes é um Sacramento da nossa Redenção pela morte de Cristo, de sorte que para os que devida e dignamente, e com fé o recebem, o Pão que partimos é uma participação do Corpo de Cristo; e de igual modo o Cálice da Bênção é uma participação do Sangue de Cristo.
A Transubstanciação (ou mudança da substância do Pão e do Vinho) na Ceia do Senhor, não se pode provar pelas Escrituras Sagradas; mas antes repugna as palavras terminantes das Escrituras, subverte a natureza de Sacramento e tem dado ocasião a muitas superstições. O Corpo de Cristo é dado, tomado e comido na Ceia, somente de um modo celeste e espiritual. E o meio pelo qual Corpo de Cristo é recebido e comido na Ceia é a Fé.
O Sacramento da Ceia do Senhor não foi pela ordenança de Cristo reservado, nem levado em procissão, nem elevado, nem adorado.

XXIX. DOS ÍMPIOS, QUE NÃO COMEM O CORPO DE CRISTO NA CEIA DO SENHOR
Os ímpios, e os destituídos da fé viva, ainda que carnal e visivelmente comprimam com os dentes (como diz Santo Agostinho) o Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, nem por isso são de maneira alguma participantes de Cristo; mas antes, para sua condenação, comem e bebem o sinal ou Sacramento de uma coisa tão importante.

XXX. DE AMBAS AS ESPÉCIES
O Cálice do Senhor não se deve negar aos Leigos, porque ambas as partes do Sacramento do Senhor por instituição à ordem de Cristo devem ser administradas a todos os cristãos igualmente.

XXXI. DA ÚNICA OBLAÇÃO DE CRISTO CONSUMADA NA CRUZ
A oblação uma vez consumada é a perfeita redenção, propiciação e satisfação por todos os pecados, tanto originais como atuais, do mundo inteiro; e não há nenhuma outra satisfação pelos pecados, senão esta unicamente. Portanto os sacrifícios das Missas nos quais vulgarmente se dizia que o Sacerdote oferecia Cristo para a remissão de pena ou culpa, pelos vivos e mortos, são fábulas blasfemas e enganos perigosos.

XXXII. DO CASAMENTO DE SACERDOTES
Os Bispos, Presbíteros e Diáconos não são obrigados, por preceito algum da lei de Deus, a votar-se ao estado celibatário, ou abster-se do matrimônio; portanto é-lhes lícito, como aos demais cristãos, casar como entenderem, se julgarem que isso lhes é mais útil à piedade.

XXXIII. COMO DEVEMOS EVITAR AS PESSOAS EXCOMUNGADAS
Aquele que por denúncia pública da Igreja for justamente separado da unidade da Igreja, e suspenso da Comunhão, deve ser tido por pagão e publicano por todos os fiéis, até que seja mediante penitência recebido na Igreja por um juiz que tenha autoridade para isso.

XXXIV. DAS TRADIÇÕES DA IGREJA
Não é necessário que as Tradições e Cerimônias sejam em toda a parte as mesmas, ou totalmente semelhantes; porque em todos os tempos têm sido diversas, e podem ser alteradas segundo a diversidade dos países, tempos e costumes dos homens, contanto que nada se estabeleça contrário à Palavra de Deus. Todo aquele que por seu particular juízo, com ânimo voluntário e deliberado, quebrar manifestamente as Tradições e Cerimônias da Igreja, que não são contrárias à Palavra de Deus, e se acham estabelecidas e aprovadas pela autoridade comum (para que outros temam fazer o mesmo), deve ser publicamente repreendido, como quem ofende a ordem comum da Igreja, fere a autoridade do Magistrado e vulnera as consciências dos irmãos débeis. Toda a igreja particular ou nacional tem autoridade para ordenar, mudar e abolir as Cerimônias ou Ritos da Igreja, instituídos unicamente pela autoridade humana, contanto que tudo se faça para a edificação.

XXXV. DAS HOMILIAS
O Segundo Livro das Homilias, cujos títulos reunimos abaixo neste Artigo, contêm doutrina pia, saudável e necessária para estes tempos, como também o primeiro Livro das Homilias, publicado ao tempo de Eduardo VI, e portanto julgamos que devem ser lidas pelos Ministros, diligente e distintamente nas Igrejas, para que sejam entendidas pelo povo.

DOS NOMES DAS HOMILIAS
11. Do Uso correto da Igreja.
12. Contra o Perigo da Idolatria.
13. Do reparo e asseio das Igrejas.
14. Das boas Obras: principalmente do Jejum.
15. Contra a Glutonaria e Embriaguez.
16. Contra o Luxo do Vestuário.
17. Da Oração.
18. Do Lugar e Tempo da Oração.
19. De como Orações e Sacramentos se devem administrar em língua conhecida.
10. Da reverente Estima à Palavra de Deus.
11. Das Esmolas.
12. Da Natividade de Cristo.
13. Da Paixão de Cristo.
14. Da Ressurreição de Cristo.
15. Da digna recepção do Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo.
16. Dos Dons do Espírito Santo.
17. Para os dias de Rogações.
18. Do Estado do Matrimônio.
19. Do Arrependimento.
20. Contra a Ociosidade.
21. Contra a Rebelião.

XXXVI. DA SAGRAÇÃO DE BISPOS E MINISTROS
O Livro da Sagração de Bispos e Ordenação de Presbíteros e Diáconos, estabelecido pela Convenção Geral desta Igreja, em 1792, contém tudo quanto é necessário para a referida Sagração e Ordenação; não há nele coisa alguma que seja por si mesma supersticiosa e ímpia. E, por conseqüência, todos os sagrados ou ordenados segundo a referida fórmula são reta, canônica e legalmente ordenados.

XXXVII. DO PODER DOS MAGISTRADOS CIVIS
O Poder do Magistrado Civil estende-se a todos os homens, tanto clérigos como leigos, em todas as coisas temporais; porém não tem autoridade alguma em coisas puramente espirituais. E temos por dever de todos os homens que professam o Evangelho renderem obediência respeitosa à Autoridade Civil, que é regular e legitimamente constituída.

XXXVIII. DE QUE NÃO SÃO COMUNS OS BENS ENTRE OS CRISTÃOS
As Riquezas e Bens dos cristãos não são comuns quanto ao direito, título e posse, como falsamente apregoam certos anabatistas. Todos, no entanto, das coisas que possuem, devem dar liberalmente esmola aos pobres, segundo o seu poder.

XXXIX. DO JURAMENTO DE UM CRISTÃO
Assim como confessamos que o Juramento vão e temerário é proibido aos cristãos por nosso Senhor Jesus Cristo, e por Tiago, seu Apóstolo, assim também julgamos que a Religião Cristã de nenhum modo proíbe que uma pessoa jure quando o Magistrado o exige em causa de fé e caridade, contanto que isto se faça segundo a doutrina do Profeta, em justiça, juízo e verdade.

A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER


(1643–1646)

CAPÍTULO 1: DA SAGRADAS ESCRITURAS
1. Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de tal modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens sejam inescusáveis, todavia não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e de sua vontade, necessário à salvação; por isso agradou ao Senhor, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e contra a maldade de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna as Escrituras Sagradas indispensável, tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo.
2. Sob o nome de Escrituras Sagradas, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Antigo e do Novo Testamento, que são os seguintes:

O ANTIGO TESTAMENTO
Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio
Josué
Juízes
Rute
1 Samuel
2 Samuel
1 Reis
2 Reis
1 Crônicas 2 Crônicas
Esdras
Neemias
Ester

Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Isaías
Jeremias
Lamentações
Ezequiel Daniel
Oséias
Joel
Amós
Obadias
Jonas
Miquéias
Naum
Habacuque
Sofonias
Ageu
Zacarias
Malaquias


NOVO TESTAMENTO

Mateus
Marcos
Lucas
João
Atos
Romanos
1Coríntios
2Coríntios
Gálatas
Efésios
Filipenses
Colossenses
1Tessalonicenses
2Tessalonicenses 1 Timóteo
2 Timóteo
Tito
Filemom
Hebreus
Tiago
1 Pedro
2 Pedro
1 João
2 João
3 João
Judas
Apocalipse
Todos eles são dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e prática.
3. Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do Cânon das Escrituras; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como escritos humanos.
4. A autoridade das Escrituras Sagradas, razão pela quais deves ser cridas e obedecidas, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus.
5. Pelo Testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pelas Escrituras Sagradas; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completas perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provêm da operação interna do Espírito Santo que pela Palavra e com a Palavra testifica em nossos corações.
6. Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a sua glória e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado nas Escrituras ou pode ser lógica e claramente delas deduzido. Às Escrituras nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a iluminação interior do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na Palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas.
7. Nas Escrituras não são todas as coisas em si, nem do mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em uma ou outra passagem das Escrituras são tão claramente expostas e aplicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios comuns, podem alcançar uma suficiente compreensão delas.
8. O Antigo Testamento em hebraico (língua nativa do antigo povo de Deus) e o Novo Testamento em grego (a língua mais geralmente conhecida entre as nações no tempo em que foi escrito), sendo inspirados imediatamente por Deus, e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são, por isso, autênticos, e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como um supremo tribunal; mas, não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo de Deus, que tem direito e interesse nas Escrituras, e que deve, no temor de Deus, lê-las e estudá-las, esses livros têm de ser traduzidos nas línguas comuns de todas as nações aonde chegarem, a fim de que, permanecendo nelas abundantemente a Palavra de Deus, adorem a Deus de modo aceitável e possuam a esperança pela paciência e conforto das Escrituras.
9. A regra infalível de interpretação das Escrituras é as próprias Escrituras; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto das Escrituras (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente.
10. O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando nas Escrituras.

CAPÍTULO 2: DE DEUS E DA SANTÍSSIMA TRINDADE
1. Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e em perfeição. Ele é um Espírito puríssimo, invisível, sem corpo, sem membros, não sujeito a paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, e tudo faz segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável, e para a sua própria glória. É cheio de amor, gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro galardoador dos que o buscam, e, contudo, justíssimo e terrível em seus juízos, pois odeia todo o pecado; de modo algum terá por inocente o culpado.
2. Deus tem, em si mesmo, e de si mesmo, toda a vida, glória, bondade, e bem-aventurança. Ele é todo-suficiente em si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência; não deriva delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre elas. Ele é a única origem de todo ser; dele, por ele e para ele são todas as coisas e sobre elas tem ele soberano domínio para fazer com elas, para elas e sobre elas tudo quanto quiser. Todas as coisas estão patentes e manifestas diante dele; o seu saber é infinito, infalível e independente da criatura, de sorte que para ele nada é contingente ou incerto. Ele é santíssimo em todos os seus conselhos, em todas as suas obras e em todos os seus preceitos. Da parte dos anjos e dos homens e de qualquer outra criatura lhe são devidos todo culto, todo serviço e toda obediência, que ele houve por bem exigir deles.
3. Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade: Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O Pai não é de ninguém: não é gerado, nem procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho.

CAPÍTULO 3: DOS ETERNOS DECRETOS DE DEUS
1. Desde toda a eternidade e pelo mui sábio e santo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é à vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.
2. Ainda que sabe tudo quanto pode ou há de acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, Deus não decreta coisa alguma por havê-la previsto como futura, ou como coisa que havia de acontecer em tais condições.
3. Pelo decreto de Deus e para a manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna.
4. Esses homens e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; o seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído.
5. Segundo o seu eterno e imutável propósito, e segundo o santo conselho e beneplácito de sua vontade, antes que fosse o mundo criado, Deus escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa.
6. Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito de sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo, pelo seu Espírito que opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder, por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo.
7. Segundo o inescrutável conselho de sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia, como lhe apraz, para a glória de seu soberano poder sobre as suas criaturas, para louvor de sua gloriosa justiça, o resto dos homens foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa de seus pecados.
8. A doutrina deste alto mistério de predestinação deve ser tratada com especial prudência e cuidado, a fim de que os homens, atendendo à vontade de Deus, revelada em sua Palavra, e prestando obediência a ela, possam, pela evidência de sua vocação eficaz, certificar-se de sua eterna eleição. Assim, a todos os que sinceramente obedecem ao Evangelho, esta doutrina traz motivo de louvor, reverência e admiração para com Deus, bem como de humildade, diligência e abundante consolação.

CAPÍTULO 4: DA CRIAÇÃO
1. Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para manifestação da glória de seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, quer as coisas visíveis quer as invisíveis.
2. Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com as almas racionais e imortais, e dotou-os de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade de sua própria vontade, que era mutável. Além dessa escrita em seus corações, receberam o preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e do mal; enquanto obedeceram a este preceito, foram felizes em sua comunhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas.

CAPÍTULO 5: DA PROVIDÊNCIA
1. Pela mui sábia e santa providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho de sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, todas as ações delas e todas as coisas, desde a maior até a menor.
2. Posto que, em relação à presciência e ao decreto de Deus, que é a causa primária, todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência, Deus ordena que elas sucedam, necessária, livre ou contingentemente, conforme a natureza das causas secundárias.
3. Na sua providência comum, Deus emprega meios; todavia, ele é livre para operar sem eles, sobre eles ou contra eles, segundo o seu beneplácito.
4. A onipotência, a sabedoria inescrutável e a bondade infinita de Deus, de tal maneira se manifestam na sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, regula e governa em uma múltipla dispensação; mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado e nem pode aprová-lo.
5. O muitíssimo sábio, justo e gracioso Deus muitas vezes deixa, por algum tempo, seus filhos entregues a muitas tentações e à corrupção de seus próprios corações, para castigá-los pelos seus pecados anteriores ou fazer-lhes conhecer o poder oculto da corrupção e dolo de seus corações, a fim de que eles sejam humilhados; para animá-los a dependerem mais íntima e constantemente do apoio dele e torná-los mais vigilantes contra as futuras ocasiões de pecar, bem como para vários outros fins justos e santos.
6. Quanto aos homens perversos e ímpios que Deus, como justo juiz, cega e endurece em razão de pecados anteriores, ele não só lhes recusa a graça pela qual poderiam ser iluminados em seus entendimentos e movidos em seus corações, mas às vezes tira os dons que já possuíam, e os expõe a objetos que, por sua corrupção, tornam ocasiões de pecado; além disso, os entrega às suas próprias paixões, às tentações do mundo e ao poder de Satanás; assim, acontece que eles se endurecem sob as influências dos meios que Deus emprega para o abrandamento dos outros.
7. Como a providência de Deus se estende, em geral, a todas as criaturas, assim, pois, de um modo muitíssimo especial, essa mesma providência cuida de sua igreja e tudo dispõe a bem dela.

CAPÍTULO 6: DA QUEDA DO HOMEM, DO PECADO E DO SEU CASTIGO
1. Nossos primeiros pais seduzidos pela astúcia e tentação de Satanás, pecaram ao comerem o fruto proibido. Segundo o seu sábio e santo conselho, foi Deus servido permitir este pecado deles, havendo determinado ordená-lo para a sua própria glória.
2. Por este pecado eles decaíram de sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as faculdades e partes do corpo e da alma.
3. Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito de seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração comum.
4. Desta corrupção original, pela qual ficamos totalmente indispostos, incapazes e adversos a todo o bem e inteiramente inclinados a todo o mal, é que procedem todas as transgressões atuais.
5. Esta corrupção da natureza persiste, durante esta vida, naqueles que são regenerados; e embora seja ela perdoada e mortificada por Cristo, todavia ela como os seus impulsos são real e propriamente pecado.
6. Todo pecado, tanto original como atual, sendo transgressão da justa lei de Deus e a ela contrário, torna culpado o pecador, em sua própria natureza, e por essa culpa está sujeito à ira de Deus e à maldição da lei, e, portanto, sujeito à morte, com todas as misérias espirituais, temporais e eternas.

CAPÍTULO 7: DO PACTO DE DEUS COM O HOMEM
1. Tão grande é à distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe devam obediência como seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele, como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual agradou-lhe expressar por meio de um pacto.
2. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob a condição de perfeita e pessoal obediência.
3. Tendo-se o homem tornado, pela sua queda, incapaz de ter vida por meio deste pacto, o Senhor dignou-se a fazer um segundo pacto, geralmente chamado de pacto da graça; neste pacto da graça ele livremente oferece aos pecadores a vida e salvação através de Jesus Cristo, exigindo deles a fé, para que sejam salvos, e prometendo o seu Santo Espírito a todos os que estão ordenados para a vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.
4. Este pacto da graça é freqüentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de testamento, em referência à morte de Cristo, o Testador, e à eterna herança, com tudo o que lhe pertence, legada neste pacto.
5. Este pacto, no tempo da Lei, não foi administrado como no tempo do Evangelho. Sob a Lei, foi administrado por meio de promessas, profecias, sacrifícios, da circuncisão, do cordeiro pascal e de outros tipos e ordenanças dados ao povo judeu, tudo prefigurando Cristo que havia de vir. Por aquele tempo, essas coisas, pela operação do Espírito Santo, foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do Messias prometido, por quem tinham plena remissão dos pecados e a salvação eterna; este se chama o Antigo Testamento.
6. Sob o Evangelho, quando Cristo, a Substância, se manifestou, as ordenanças, nas quais este pacto é ministrado, passaram a ser a pregação da Palavra e a administração dos Sacramentos do Batismo e da Ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que em número menor e administradas com mais simplicidade e menos glória externa, o pacto se manifesta com mais plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações - tanto aos judeus como aos gentios. Isto é chamado Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos da graça diferentes em substância, mas um e o mesmo sob várias dispensações.

CAPÍTULO 8: DE CRISTO, O MEDIADOR
1. Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do mundo; e deu-lhe, desde toda a eternidade, um povo para ser sua semente, e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.
2. O Filho de Deus, a segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria, e da substância dela. As duas naturezas inteiras, perfeitas e distintas - a Divindade e a Humanidade - foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão, verdadeiro homem, porém um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem.
3. O Senhor Jesus, em sua natureza humana unida à divina, foi santificado e sem medida ungido com o Espírito Santo, tendo em si todos os tesouros da sabedoria e da ciência. Aprouve ao Pai que nele habitasse toda a plenitude, a fim de que, sendo santo, inocente, incontaminado e cheio de graça e verdade, estivesse perfeitamente preparado para exercer o ofício de Mediador e Fiador. Este ofício ele não tomou para si, mas para ele foi chamado pelo Pai, que lhe pôs nas mãos todo o poder e todo o juízo, e lhe ordenou que os exercesse.
4. Este ofício o Senhor Jesus empreendeu mui voluntariamente. Para que pudesse exercê-lo, ele se fez sujeito à lei, a qual cumpriu perfeitamente, padeceu imediatamente em sua alma os mais cruéis tormentos, e em seu corpo, os mais penosos sofrimentos; foi sepultado e ficou sob o poder da morte, mas não viu a corrupção; ao terceiro dia ressuscitou dois mortos, com esse corpo subiu ao céu, onde está sentado à destra do Pai, fazendo intercessão; de lá voltará no fim do mundo para julgar os homens e os anjos.
5. O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que, pelo Eterno Espírito, ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça de seu Pai, e, para todos aqueles que o Pai lhe deu, adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus.
6. Ainda que a obra da redenção não fora realmente realizada por Cristo senão depois de sua encarnação, contudo a virtude, a eficácia e os benefícios dela, em todas as épocas sucessivas desde o princípio do mundo foram comunicados aos eleitos por meio das promessas, tipos e sacrifícios, pelos quais ele devia esmagar a cabeça da serpente, como o cordeiro morto desde o princípio do mundo, sendo ele o mesmo ontem, hoje e para sempre.
7. Cristo, na obra de mediação, age de conformidade com as suas duas naturezas, fazendo cada uma o que lhe é próprio; contudo, em razão da unidade de uma pessoa, o que é próprio de uma natureza é, às vezes, nas Escrituras, atribuído à pessoa denominada pela outra natureza.
8. Cristo, com toda certeza e de forma eficaz, aplica e comunica a salvação a todos aqueles para quem a adquiriu. Isto ele consegue, fazendo intercessão por eles e revelando-lhes na Palavra e pela Palavra os mistérios da salvação, persuadindo-os, eficazmente, pelo seu Espírito, subjugando todos os seus inimigos por meio de sua onipotência e sabedoria, da maneira e pelos meios mais condizentes com a sua admirável e inescrutável dispensação.

CAPÍTULO 9: DO LIVRE-ARBÍTRIO
1. Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza.
2. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus; mas era passível de mudança, de sorte que pudesse cair dessa liberdade e poder.
3. O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de sorte que um homem natural, inteiramente contrário a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso.
4. Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, somente por sua graça, o habilita a querer e a fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção ainda existente nele, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau.
5. É no estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só.

CAPÍTULO 10: DA VOCAÇÃO EFICAZ
1. Todos aqueles a quem Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido chamar eficazmente pela sua Palavra e pelo seu Espírito, no tempo por ele determinado e aceito, tirando-os daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza para a graça e salvação, em Jesus Cristo. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos, espiritual e salvificamente, a fim de compreenderem as coisas de Deus, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando-lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as, pela sua onipotência, para aquilo que é bom, e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça.
2. Esta vocação eficaz provém unicamente da livre e especial graça de Deus, e não de qualquer coisa prevista no homem; nesta vocação, o homem é inteiramente passivo, até que, vivificado e renovado pelo Espírito Santo, fica habilitado a corresponder a ela e a receber a graça nela oferecida e comunicada.
3. As crianças eleitas que morrem na infância são regeneradas e salvas por Cristo por meio do Espírito que opera quando, onde e como lhe apraz. Do mesmo modo são salvas todas as outras pessoas eleitas incapazes de serem exteriormente chamadas pelo ministério da palavra.
4. Os não eleitos, ainda que chamados pelo ministério da Palavra e tenham algumas das operações comuns do Espírito, contudo jamais chegam a Cristo e, portanto, não podem ser salvos; muito menos poderão ser salvos por qualquer outro meio os que não professam a religião cristã, por mais diligentes que sejam em padronizar suas vidas de acordo com a luz da natureza e com a lei da religião que professam; asseverar e manter que o podem é muito pernicioso e detestável.

CAPÍTULO 11: DA JUSTIFICAÇÃO
1. Os que Deus chama eficazmente, também livremente justifica. Esta justificação não consiste em Deus infundir neles a justiça, mas em perdoar os seus pecados e em considerar e aceitá-los como justos. Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita mas somente em consideração à obra de Cristo; não lhes imputando como justiça à própria fé, o ato de crer, ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o recebem e se firmam nele pela fé, fé esta que possuem não como oriunda de si mesmos, mas como dom de Deus.
2. A fé, assim recebendo e assim repousando em Cristo e em sua justiça, é o único instrumento da justificação; contudo, não está sozinha na pessoa justificada, mas sempre acompanhada de todas as demais graças salvíficas; não é uma fé morta, mas a fé que age através do amor.
3. Cristo, por meio de sua obediência e morte, pagou plenamente a dívida de todos que são assim justificados, e, em favor deles, fez à justiça de seu Pai uma satisfação própria, real e plena. Contudo, como Cristo foi pelo Pai dado em favor deles, e como a obediência e a satisfação dele foram aceitas em lugar deles, ambas livremente e não por nada que neles existe, a justificação deles provém unicamente da livre graça, a fim de que tanto a perfeita justiça como a graça abundante de Deus possam ser glorificadas na justificação dos pecadores.
4. Deus, desde toda a eternidade, decretou justificar todos os eleitos; e Cristo, no cumprimento do tempo, morreu pelos pecados deles e ressuscitou para a justificação deles; contudo, eles não são justificados até que o Espírito Santo, no tempo próprio e de fato, comunica-lhes Cristo.
5. Deus continua a perdoar os pecados dos que são justificados. Embora eles nunca possam cair do estado de justificação, poderão, contudo, por seus pecados, incorrer no paternal desagrado de Deus e ficar privados da luz de sua graça, até que se humilhem, confessem os seus pecados, peçam perdão e renovem a sua fé e o seu arrependimento.
6. A justificação dos crentes sob o Antigo Testamento era, em todos estes aspectos, uma e a mesma justificação dos crentes sob o Novo Testamento.

CAPÍTULO 12: DA ADOÇÃO
1. A todos os que são justificados, Deus se digna fazer participantes da graça da adoração em e por seu único Filho Jesus Cristo. Por essa graça, eles são recebidos no número e gozam a liberdade e privilégios dos filhos de Deus, têm sobre si o nome dele, recebem o Espírito de adoração, têm acesso, com ousadia, ao trono da graça, e são habilitados e clamam: “Aba, Pai”; são tratados com piedade, protegidos, providos e corrigidos por ele, como por um Pai; nunca, porém, abandonados, mas selados para o dia da redenção, e recebem as promessas como herdeiros da eterna salvação.

CAPÍTULO 13: DA SANTIFICAÇÃO
1. Os que são eficazmente chamados e regenerados, tendo sido criado neles um novo coração e um novo Espírito, são, além disso, santificados, real e pessoalmente, pela virtude da morte e ressurreição de Cristo, por sua Palavra e por seu Espírito, que neles habita; o domínio de todo o corpo do pecado é destruído, as suas várias concupiscências são mais e mais enfraquecidas e mortificadas, e eles são mais e mais vivificados e fortalecidos em todas as graças salvadoras, para a prática da verdadeira santidade sem a qual ninguém verá o Senhor.
2. Esta santificação é no homem todo, porém imperfeita nesta vida; ainda subsiste em todas as partes dele restos da corrupção, e daí nasceu uma guerra contínua e irreconciliável: a carne lutando contra o Espírito, e o Espírito contra a carne.
3. Nesta guerra, embora prevaleçam por algum tempo as corrupções que restam, contudo, pelo contínuo socorro da eficácia do santificador Espírito de Cristo, à parte regenerada conquista a vitória, e assim os santos crescem em graça, aperfeiçoando a sua santidade no temor de Deus.

CAPÍTULO 14: DA FÉ SALVADORA
1. A graça da fé, por meio da qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação das suas almas, é a obra que o Espírito de Cristo faz nos corações deles, e é sempre operada pelo ministério da Palavra, por esse ministério, bem como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e fortalecida.
2. Por esta fé o cristão, segundo a autoridade do mesmo Deus que fala em sua Palavra, crê ser verdade tudo quanto nela é revelado, e age de conformidade com aquilo que cada passagem contém em particular, prestando obediência aos mandamentos, temendo as ameaças e abraçando as promessas de Deus para esta vida e para a futura; porém, os principais atos de fé salvadora são: aceitar e receber Cristo e descansar só nele para a justificação, santificação e vida eterna, isto em virtude do pacto da graça.
3. Esta fé é de diferentes graus: é fraca ou forte, pode ser muitas vezes e de muitos modos assaltada e enfraquecida, mas sempre alcança a vitória, desenvolvendo-se em muitos até à plena segurança em Cristo, que é tanto o Autor como Consumador da fé.

CAPÍTULO 15: DO ARREPENDIMENTO PARA A VIDA
1. O arrependimento para a vida é uma graça evangélica, doutrina esta que deve ser pregada por todo ministro do Evangelho, tanto quanto a fé de Cristo.
2. Movido pelo reconhecimento e sentimento, não só do perigo, mas da impureza e odiosidade de seus pecados, como contrários à santa natureza e justa lei de Deus, e se conscientizando da misericórdia divina manifesta em Cristo aos que são penitentes, o pecador, pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece os seus pecados que, deixando-os, se volta para Deus, tencionando e procurando andar com ele em todos os caminhos de seus mandamentos.
3. Ainda que não devamos confiar no arrependimento como sendo de algum modo uma satisfação pelo pecado, ou em qualquer sentido a causa do perdão dele, o que é ato da livre graça de Deus em Cristo, contudo ele é de tal modo necessário aos pecadores, que sem ele ninguém poderá esperar o perdão.
4. Assim como não há pecado tão pequeno que não mereça a condenação, também não há pecado tão grande que possa trazer a condenação sobre os que se arrependem verdadeiramente.
5. Os homens não devem se contentar com um arrependimento geral, mas é dever de todos procurar arrepender-se particularmente de cada um dos seus pecados.
6. Assim como cada homem é obrigado a fazer a Deus confissão particular de seus pecados pedindo-lhe o perdão deles, e abandonando-os, achará misericórdia; também aquele que escandaliza o seu irmão ou a Igreja de Cristo deve estar pronto, por meio de uma confissão particular ou pública de seu pecado e do pesar que por ele sente, a declarar o seu arrependimento aos que estão ofendidos; isto feito, estes devem reconciliar-se com o penitente e recebê-lo em amor.

CAPÍTULO 16: DAS BOAS OBRAS
1. As boas obras são somente aquelas que Deus ordena em sua santa Palavra, não as que, sem a autoridade dela, são aconselhadas pelos homens movidos por um zelo cego ou sob qualquer outro pretexto de boa intenção.
2. Estas boas obras feitas em obediência aos mandamentos de Deus são o fruto e as evidências de uma fé viva e verdadeira; por elas os crentes manifestam a sua gratidão, robustecem a sua confiança, edificam os seus irmãos, adornam a profissão do Evangelho, fecham a boca aos adversários e glorificam a Deus, de quem são feitura, criados em Jesus Cristo para isso mesmo, a fim de que, tendo o seu fruto em santidade, tenham no final a vida eterna.
3. A capacidade de fazer boas obras de modo algum provém dos crentes, mas inteiramente do Espírito Santo para operar neles tanto o querer como o realizar segundo o seu beneplácito; contudo, não devem, por isso, tornar-se negligentes, como se não fossem obrigados a cumprir qualquer dever senão quando movidos especialmente pelo Espírito; pelo contrário, devem esforçar-se por dinamizar a graça de Deus que neles está.
4. Os que alcançam, pela sua obediência, a maior perfeição possível nesta vida estão longe de exceder as suas obrigações e fazer mais do que Deus requer, e são deficientes em muitos dos deveres obrigados a fazer.
5. Não podemos, pelas nossas melhores obras, merecer das mãos de Deus perdão de pecado ou vida eterna, em razão da grande desproporção que há entre elas e a glória por vir, e da infinita distância que existe entre nós e Deus, a quem não podemos ser úteis por meio delas, nem saldar a dívida dos nossos pecados anteriores; e porque, como boas, procedem de seu Espírito; e, como nossas, são impuras e misturadas com tanta fraqueza e imperfeição, que não podemos suportar a severidade do juízo de Deus; assim, depois que tivermos feito tudo quanto podemos, temos cumprido tão somente o nosso dever, e somos servos inúteis.
6. Não obstante, as pessoas dos crentes sendo aceitas por meio de Cristo, suas obras são também aceitas por ele, não como se fossem, nesta vida, inteiramente perfeitas e irreprováveis à vista de Deus, mas porque Deus, considerando-as em seu Filho, é servido aceitar e recompensar aquilo que é sincero, embora seja acompanhado de muitas fraquezas e imperfeições.
7. As obras feitas pelos não regenerados, embora sejam, quanto à matéria, coisas que Deus ordena, e úteis tanto a eles mesmos quanto aos outros, contudo, porque procedem de corações não purificados pela fé, não são feitas devidamente segundo a Palavra; nem para um fim justo a glória é de Deus; são, portanto, pecaminosas e não podem agradar a Deus, nem preparar o homem para receber a graça de Deus; não obstante, o negligenciá-las é ainda mais pecaminoso e ofensivo a Deus.

CAPÍTULO 17: DA PERSEVERANÇA DOS SANTOS
1. Os que Deus aceitou em seu Amado, eficazmente chamados e santificados pelo seu Espírito, não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente; mas com toda a certeza hão de perseverar nesse estado até ao fim, e estarão eternamente salvos.
2. Esta perseverança dos santos depende, não do próprio livre-arbítrio deles, mas da imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai, da eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo, da permanência do Espírito e da semente de Deus neles, da natureza do pacto da graça e de tudo o que gera também a sua exatidão e infalibilidade.
3. Eles, porém, pelas tentações de Satanás e do mundo, pelo predomínio da corrupção restante deles e pela negligência dos meios de sua preservação, podem cair em graves pecados e, por algum tempo, continuar neles; incorrem, assim, no desagrado de Deus, entristecem o seu Santo Espírito e, em alguma medida, vêm a ser privados de suas graças e confortos; têm seus corações endurecidos e suas consciências feridas; prejudicam e escandalizam os outros e atraem sobre si juízos temporais.

CAPÍTULO 18: DA CERTEZA DA GRAÇA E DA SALVAÇÃO
1. Ainda que os hipócritas e os demais não regenerados possam iludir-se em vão com falsas esperanças e com a carnal presunção de se acharem no favor de Deus e em estado de salvação, esperança essa que perecerá, contudo os que verdadeiramente crêem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade, procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem nesta vida certificar-se de se acharem em estado de graça, e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus, esperança que jamais os envergonhará.
2. Esta certeza não é uma simples persuasão conjectural e provável, fundada numa esperança falha, mas uma segurança infalível da fé, fundada na divina verdade das promessas de salvação, na evidência interna daquelas graças nas quais essas promessas são feitas, no testemunho do Espírito de adoção que testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus, sendo esse Espírito o penhor de nossa herança, e por meio de quem somos selados para o dia da redenção.
3. Esta segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé, que um verdadeiro crente, antes de possuí-la não tenha de esperar muito e de lutar com muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito capacitado a conhecer as coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode obtê-la sem revelação extraordinária, no devido uso dos meios comuns. É, pois, dever de cada um ser diligente e tornar certas sua vocação e eleição, a fim de que, por esse modo, seja o seu coração, no Espírito Santo, dilatado em paz e em deleite, em amor e em gratidão para com Deus, no vigor e na alegria, nos deveres da obediência que são os frutos próprios desta segurança. Longe esteja isto de predispor os homens à negligência.
4. Os verdadeiros crentes podem ter, de diversas maneiras, a segurança de sua salvação abalada, diminuída e tornada intermitente, negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações, retirando Deus a luz de seu rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que o temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever; daí, a certeza da salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio dessas bênçãos são sustentados para não caírem em total desespero.

CAPÍTULO 19: DA LEI DE DEUS
1. Deus outorgou a Adão uma lei, como um pacto de obras. Por este pacto Deus o obrigou, bem como a toda a sua posteridade, a uma obediência pessoal, plena, exata e perpétua; prometeu-lhe a vida sob a condição de ele cumprir a lei, e o ameaçou com a morte caso a violasse, e dotou-o com poder e capacidade para guardá-la.
2. Essa lei, depois da queda do homem, continua sendo uma perfeita regra de justiça. Como tal, foi por Deus entregue no monte Sinai em dez mandamentos e escrita em duas tábuas de pedra; os primeiros quatro mandamentos contêm os nossos deveres para com Deus; e os outros seis, os nossos deveres para com o homem.
3. Além dessa lei, geralmente chamada lei moral, quis Deus dar ao seu povo Israel, considerado uma igreja sob sua tutela, leis cerimoniais que contêm diversas ordenanças típicas. Essas leis, que em parte se referem ao culto e prefiguram Cristo, suas graças, seus atos, seus sofrimentos e seus benefícios, e em parte representam várias instruções de deveres morais, estão todas abolidas sob o Novo Testamento.
4. A esse mesmo povo, considerado um corpo político, Deus concedeu diversas leis judiciais que deixaram de vigorar quando o país daquele povo também deixou de existir, e que agora não obrigam a ninguém além do que exige a sua eqüidade geral.
5. A lei moral obriga a todos a prestar-lhe obediência para sempre, tanto as pessoas justificadas quanto as demais, e isto não somente por causa da matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, de modo algum desfaz esta obrigação, antes a reveste de maior vigor.
6. Embora os verdadeiros crentes não estejam sob a lei como um pacto de obras, para serem por ela justificados ou condenados, contudo ela serve de grande proveito, tanto a eles, como aos demais. Como regra de vida, ela lhes informa da vontade de Deus e do dever que eles têm; os dirige e os obriga a andar conforme essa vontade; descobre-lhes também as pecaminosas poluções de sua natureza, de seus corações e de suas vidas, de maneira que, examinando-se por meio dela, alcançam mais profunda convicção de pecado, maior humilhação por causa dele e maior aversão a ele, ao mesmo tempo lhes dá mais clara visão da necessidade que têm de Cristo e da perfeita obediência a ele devida. Ela é também de utilidade aos regenerados a fim de conter a sua corrupção, pois proíbe o pecado; as suas ameaças servem para mostrar o que merecem os seu pecados; e quais as aflições que por causa dele devem esperar nesta vida, ainda que estejam livres da maldição ameaçada na lei. Do mesmo modo, as suas promessas mostram que Deus aprova a obediência deles, e que bênçãos podem esperar dessa obediência, ainda que essas bênçãos não lhes sejam devidas pela lei considerada pacto de obras, assim como fazer um homem o bem ou evitar ele o mal, só porque a lei estimula aquilo e proíbe isto, não prova estar ele sob a lei e não sob a graça.
7. Os supracitados usos da lei não são contrários à graça do Evangelho, mas suavemente se harmonizam com ela, pois o Espírito de Cristo submete e capacita a vontade do homem a fazer livre e alegremente aquilo que a vontade de Deus, revelada na lei, exige que se faça.

CAPÍTULO 20: DA LIBERDADE CRISTÃ E DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
1. A liberdade que Cristo, sob o Evangelho, comprou para os crentes consiste em serem eles libertos da culpa do pecado, da ira condenatória de Deus, da maldição da lei moral; em serem libertos deste presente mundo ímpio, do cativeiro de Satanás, do domínio do pecado, da nocividade das aflições, do aguilhão da morte, da vitória da sepultura e da condenação eterna; como também em terem eles livre acesso a Deus, em lhe prestarem obediência, não movidos de um medo servil, mas de amor filial e de espírito voluntário. Todos esses privilégios eram comuns também aos crentes sob a lei; mas, sob o Novo Testamento, a liberdade dos cristãos está mais ampliada, achando-se eles livres do jugo da lei cerimonial a que estava sujeita a igreja judaica, e tendo mais outras ousadias no acesso ao trono da graça e mais plenas comunicações do gracioso Espírito de Deus, do que normalmente alcançavam os crentes sob a lei.
2. Só Deus é Senhor da consciência, e a deixou livre das doutrinas e mandamentos humanos que, em qualquer coisa, sejam contrários à sua Palavra, ou que, em matéria de fé ou de culto, estejam fora dela. Assim, crer em tais doutrinas ou obedecer a tais mandamentos, por motivo de consciência, é trair a verdadeira liberdade de consciência; e requerer para eles fé implícita e obediência cega e absoluta, é destruir a liberdade de consciência e a própria razão.
3. Aqueles que, sob o pretexto de liberdade cristã, cometem qualquer pecado ou toleram qualquer concupiscência, destroem, por isso mesmo, o fim da liberdade cristã; pelo contrário, sendo livres das mãos de nossos inimigos, sem medo sirvamos ao Senhor em santidade e justiça, diante dele, todos os dias de nossa vida.
4. Visto que os poderes que Deus ordenou, e a liberdade que Cristo comprou não foram por Deus designados para destruir, mas para que mutuamente nos apoiemos e preservemos uns aos outros, resistem à ordenança de Deus os que, sob pretexto de liberdade cristã, se opõem a qualquer poder legítimo, civil ou religioso, ou ao exercício dele. Se publicarem opiniões ou mantiverem práticas contrárias à luz da natureza ou aos reconhecidos princípios do cristianismo concernentes à fé, ao culto ou ao procedimento; se publicarem opiniões, ou mantiverem práticas contrárias ao poder da piedade, ou que, por sua própria natureza ou pelo modo de publicá-las e mantê-las, são destrutivas da paz externa da Igreja e da ordem que Cristo estabeleceu nela, podem legalmente ser processados e visitados com as censuras da Igreja.

CAPÍTULO 21: DO CULTO RELIGIOSO E DO DOMINGO
1. A luz da natureza mostra que há um Deus, que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz o bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas, o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo, e é tão limitado pela sua própria vontade revelada que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas Escrituras.
2. O culto religioso deve ser prestado a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo e só a ele; não deve ser prestado nem aos anjos nem aos santos, nem a qualquer outra criatura; nem deve depois da queda ser prestado a Deus pela mediação de qualquer outro, senão unicamente a de Cristo.
3. A oração, com ação de graças, sendo uma parte especial do culto religioso, é por Deus exigida de todos os homens; e, para que seja aceita, deve ser feita em nome do Filho, pelo auxílio de seu Espírito, segundo a sua vontade, e isto com inteligência, reverência, humildade, fervor, fé, amor e perseverança. Se for em voz alta, deve ser proferida em uma língua conhecida dos presentes.
4. A oração deve ser feita por coisas lícitas e por todas as classes de homens que existem atualmente ou que existirão no futuro; mas não deve ser feita em favor dos mortos, nem em favor daqueles que se saiba terem cometido o pecado para a morte.
5. A leitura das Escrituras, com santo temor, a sã pregação da Palavra e a consciente atenção a ela, em obediência a Deus, com entendimento, fé e reverência, o cântico de salmos, com gratidão no coração bem como a devida administração e digna recepção dos sacramentos instituídos por Cristo são partes do culto comum oferecido a Deus, além dos juramentos religiosos, votos, jejuns solenes e ações de graça em ocasiões especiais, os quais, em seus vários tempos e ocasiões próprias, devem ser usados de um modo santo e religioso.
6. Agora, sob o Evangelho, nem a oração, nem qualquer outro ato do culto religioso é restrito a certo lugar, nem se torna mais aceitável por causa do lugar em que se ofereça ou para o qual se dirija; mas Deus deve ser adorado em todo lugar, em Espírito e em verdade, tanto em família, diariamente, e em secreto, estando cada um sozinho, como também, mais solenemente, em assembléias públicas, que não devem ser descuidadas, nem voluntariamente negligenciadas ou desprezadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcione ocasião.
7. Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção de tempo seja destinada ao culto de Deus, assim também, em sua Palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens, em todas as épocas, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (= descanso) santificado por ele; desde o princípio do mundo, até à ressurreição de Cristo, esse dia foi o último dia da semana; e desde a ressurreição de Cristo, foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que nas Escrituras é chamado dia do Senhor (= domingo), e que há de continuar até o fim do mundo como o sábado cristão.
8. Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os seus corações e de antemão ordenado os seus negócios comuns, não só guardam, durante todo o dia um santo descanso das suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidade e de misericórdia.

CAPÍTULO 22: DOS JURAMENTOS LEGAIS E DOS VOTOS
1. O juramento legal é uma parte do culto religioso em que o crente, em ocasiões próprias e com toda a solenidade, chama a Deus por testemunha do que assevera ou promete; pelo juramento ele invoca a Deus a fim de ser julgado por ele, segundo a verdade ou a falsidade do que jura.
2. O único nome pelo qual se deve jurar é o nome de Deus, nome que se pronunciará com todo o santo temor e reverência; jurar, pois, falsa ou temerariamente por este glorioso e tremendo nome, ou jurar por qualquer outra coisa é pecaminoso e abominável. Contudo, como em assuntos de gravidade e importância, o juramento é autorizado pela Palavra de Deus, tanto sob o Novo Testamento quanto sob o Antigo Testamento, o juramento, sendo exigido pela autoridade legal, deve ser prestado com reverência a tais assuntos.
3. Quem vai prestar um juramento deve considerar refletidamente a gravidade de um ato tão solene, e nada afirmar senão do que esteja plenamente persuadido ser a verdade. Ninguém deve obrigar-se por juramento a qualquer coisa que seja ou que acredite ser boa e justa e por aquilo que pode e está resolvido a cumprir. É, porém, pecado recusar prestar juramento concernente a qualquer coisa justa e boa, sendo exigido pela autoridade legal.
4. O juramento deve ser prestado conforme o sentido comum e claro das palavras, sem equívoco ou reserva mental. Não pode obrigar a pecar; mas, sendo prestado com referência a qualquer coisa não pecaminosa, obriga ao cumprimento, mesmo com prejuízo de quem jura. Não deve ser violado, ainda que feito a hereges ou a infiéis.
5. O voto é da mesma natureza que o juramento promissório; deve ser feito com o mesmo cuidado religioso e cumprido com igual fidelidade.
6. O voto não deve ser feito a criatura alguma, mas só a Deus; para que seja aceitável, deve ser feito voluntariamente, com fé e consciência de dever, em reconhecimento de misericórdias recebidas ou para obter o que desejamos. Pelo voto obrigamo-nos mais restritamente aos deveres necessários ou a outras coisas, até onde ou quando elas conduzirem a esses deveres.
7. Ninguém deve prometer fazer coisa alguma que seja proibida na Palavra de Deus, ou que impeça o cumprimento de qualquer dever nela ordenado, nem o que não está em seu poder cumprir e para cuja execução não tenha promessa ou competência da parte de Deus; por isso, os votos monásticos, que os papistas fazem, do celibato perpétuo, da pobreza voluntária e da obediência regular, em vez de serem graus de maior perfeição, não passam de laços supersticiosos e iníquos com os quais nenhum cristão deve embaraçar-se.

CAPÍTULO 23: DO MAGISTRADO CIVIL
1. Deus, o Senhor supremo e Rei de todo o mundo, para a sua própria glória e para o bem público, constituiu sobre o povo magistrados civis, a ele sujeitos, e para este fim os armou com o poder da espada para defesa e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores.
2. Aos cristãos é lícito aceitar e exercer o ofício de magistrado, sendo para ele chamados; e em sua administração, como devem especialmente manter a piedade, a justiça e a paz, segundo as leis salutares de cada estado, eles, sob a dispensação do Novo Testamento, para esse fim, podem licitamente fazer guerra, havendo ocasiões justas e necessárias.
3. Os magistrados civis não podem tomar sobre si a administração da Palavra e dos Sacramentos, ou o poder das chaves do Reino do Céu, nem de modo algum interferir em matéria de fé; contudo, como pais solícitos, têm o dever de proteger a igreja de nosso comum Senhor, sem dar preferência a qualquer denominação cristã acima das outras, de tal maneira que todos os eclesiásticos, sem distinção, gozem plena, livre e indisputada liberdade de cumprir todas as partes das suas sagradas funções, sem violência ou perigo. Como Jesus Cristo constituiu em sua igreja um governo regular e uma disciplina, nenhuma lei de qualquer estado deve interferir, impedir, ou embaraçar o seu devido exercício entre os membros voluntários de qualquer denominação cristã, segundo a profissão e crença de cada uma. E é dever dos magistrados civis proteger a pessoa e o bom nome de todos os que lhe são relacionados, de modo que a ninguém seja permitido, sob pretexto de religião ou de incredulidade, ofender, perseguir, maltratar ou injuriar a quem quer que seja; e bem assim tomar providências para que todas as assembléias religiosas e eclesiásticas possam reunir-se sem serem perturbadas ou molestadas.
4. É dever do povo orar pelos magistrados, honrá-los, pagar-lhes tributos e outros impostos, obedecer às suas ordens legais e sujeitar-se à sua autoridade, e tudo isto por dever de consciência. Incredulidade ou indiferença em questão de religião não invalida a justa autoridade do magistrado, nem isenta o povo da obediência que lhe deve, obediência essa da qual não estão excluídos os eclesiásticos. O papa não tem nenhum poder ou jurisdição sobre os magistrados dentro dos domínios deles, ou sobre qualquer um de seu povo; e muito menos tem o poder de privá-los de seus domínios ou de suas vidas por julgá-los hereges ou sob qualquer outro pretexto.

CAPÍTULO 24: DO MATRIMÔNIO E DO DIVÓRCIO
1. O casamento deve ser entre um homem e uma mulher; ao homem não é lícito ter mais de uma esposa, nem à mulher mais de um marido ao mesmo tempo.
2. O matrimônio foi ordenado para o auxílio mútuo de marido e esposa, para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima, e da Igreja por uma semente santa, e para evitar-se a impureza.
3. A todos os que são capazes de dar um consentimento ajuizado, é lícito casar, mas é dever dos cristãos casar somente no Senhor; portanto, os que professam a verdadeira religião reformada não devem casar-se com infiéis, papistas ou outros idólatras; nem devem os piedosos prender-se a jugo desigual por meio do casamento com os que são notoriamente ímpios em suas vidas, ou que mantêm heresias perniciosas.
4. Não devem casar-se as pessoas entre as quais existem os graus de consangüinidade ou afinidade proibidos na Palavra de Deus; tais casamentos incestuosos jamais poderão tornar-se lícitos pelas leis humanas ou pelo consentimento das partes, de modo a poderem viver juntas como marido e esposa.
5. O adultério ou a fornicação cometidos depois de um contrato, sendo descoberto antes do casamento, dá à parte inocente justo motivo de dissolver o contrato; no caso do adultério depois do casamento, à parte inocente é lícito propor divórcio, e, depois de obter o divórcio, casar com outrem, como se a parte infiel fosse morta.
6. Posto que a corrupção do homem seja tal que o incline a procurar argumentos a fim de indevidamente separar aqueles que Deus uniu em matrimônio, contudo nada, senão o adultério, é causa suficiente para dissolver os laços do matrimônio, a não ser que haja deserção tão obstinada que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo magistrado civil. Para a dissolução do matrimônio é necessário haver um processo público e regular, não se devendo deixar ao arbítrio e discrição das partes o decidir em seu próprio caso.

CAPÍTULO 25: DA IGREJA
1. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consiste do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo, sob Cristo, seu Cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que enche tudo em todas as coisas.
2. A Igreja visível, que também é católica ou universal, sob o Evangelho (não sendo restrita a uma nação, como antes sob a Lei), consiste de todos aqueles que, pelo mundo inteiro, professam a verdadeira religião, juntamente com seus Filhos; é o Reino do Senhor Jesus Cristo, a casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade de salvação.
3. À Igreja Católica visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de Deus, para a congregação e o aperfeiçoamento dos santos, nesta vida, até ao fim do mundo, e pela sua própria presença e pelo seu Espírito os torna eficientes para esse fim, segundo a sua promessa.
4. Esta Igreja Católica tem sido ora mais, ora menos visível. As igrejas particulares, que são membros dela, são mais puras ou menos puras conforme nelas é, com mais ou menos pureza, ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e celebrado o culto público.
5. As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro; algumas têm-se degenerado a ponto de não mais serem igrejas de Cristo, e, sim, sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele.
6. Não há outro Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo. Em sentido algum pode ser o papa de Roma o seu cabeça, senão que ele é aquele anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo o que se chama Deus.

CAPÍTULO 26: DA COMUNHÃO DOS SANTOS
1. Todos os santos que, pelo Espírito de Deus e pela fé, estão unidos a Jesus Cristo, seu Cabeça, têm comunhão com ele nas suas graças, nos seus sofrimentos, na sua morte, na sua ressurreição e na sua glória, e, estando unidos uns ao outros em amor, participam dos mesmos dons e graças, e estão obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e particulares que contribuem para o seu mútuo proveito, tanto no homem interior como no exterior.
2. Os santos são, pela profissão de fé, obrigados a manter uma santa sociedade e comunhão no culto de Deus e na realização de outros serviços espirituais que contribuem para a sua mútua edificação, bem como a socorrer uns aos outros em coisas materiais, segundo as suas várias habilidades e necessidades; esta comunhão, conforme Deus oferecer ocasião, deve estender-se a todos aqueles que, em todo lugar, invocam o nome do Senhor Jesus.
3. Esta comunhão que os santos têm com Cristo não os torna de modo algum participantes da substância de sua divindade, nem iguais a Cristo em qualquer sentido; afirmar uma ou outra coisa é ímpio e blasfemo. A comunhão que os santos mantêm entre si não destrói nem de modo algum enfraquece o título ou domínio que cada homem tenha sobre os seus bens e posses.

CAPÍTULO 27: DOS SACRAMENTOS
1. Os sacramentos são santos sinais e selos do pacto da graça, imediatamente instituídos por Deus para representar Cristo e seus benefícios, e confirmar o nosso interesse nele, bem como fazer uma diferença visível entre os que pertencem à Igreja e o restante do mundo, e solenemente comprometê-los no serviço de Deus em Cristo, segundo a sua Palavra.
2. Há em cada sacramento uma relação espiritual ou uma união sacramental entre o sinal e a coisa significada; por isso, os nomes e efeitos de um são atribuídos ao outro.
3. A graça revelada nos sacramentos, ou por meio deles, quando devidamente usados, não é conferida por qualquer poder neles existente; nem a eficácia de uma sacramento depende da piedade ou da intenção de quem o administra, mas da obra do Espírito e da palavra da instituição, a qual, juntamente com o preceito que autoriza o seu uso, contém uma promessa de benefício aos que dignamente o recebem.
4. Há apenas dois sacramentos ordenados por Cristo, nosso Senhor, no Evangelho: O Batismo e a Ceia do Senhor, nenhum dos quais pode ser administrado senão por um ministro da Palavra, legalmente ordenado.
5. Os sacramentos do Antigo Testamento, quanto às coisas espirituais por eles significadas e representadas, eram, em substância, os mesmos que os do Novo Testamento.

CAPÍTULO 28: DO BATISMO
1. O batismo é um sacramento do Novo Testamento, instituído por Jesus Cristo, não só para solenemente admitir na Igreja visível a pessoa batizada mas também para servir-lhe de sinal e selo do pacto da graça, de sua união com Cristo, da sua regeneração, da remissão dos pecados e também da sua consagração a Deus, por meio de Jesus Cristo, a fim de andar em novidade de vida. Este sacramento, segundo a ordenação do próprio Cristo, há de continuar em sua Igreja até ao final do mundo.
2. O elemento exterior, usado neste sacramento é a água, com a qual a pessoa é batizada em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, por um ministro do Evangelho, legalmente ordenado.
3. Não é necessário imergir o candidato na água, mas o batismo é corretamente administrado derramando-se ou aspergindo-se água sobre a pessoa.
4. Não só os que de fato professam a sua fé em Cristo e obediência a ele, mas também os filhos de pais crentes (ainda que só um deles o seja) devem ser batizados.
5. Posto que seja grande pecado menosprezar ou negligenciar esta ordenança, contudo a graça e a salvação não se acham tão inseparavelmente ligadas a ela, que sem ela uma pessoa não possa ser regenerada e salva, ou que todos os que são batizados sejam indubitavelmente regenerados.
6. A eficácia do batismo não se limita ao momento em que é administrado; contudo, pelo devido uso desta ordenança, a graça prometida é não somente oferecida, mas realmente manifestada e conferida pelo Espírito Santo àqueles a quem ela pertence (adultos ou crianças), segundo o conselho da própria vontade de Deus em seu tempo determinado.
7. O sacramento do batismo deve ser administrado uma só vez a uma mesma pessoa.

CAPÍTULO 29: DA CEIA DO SENHOR
1. Na noite em que foi traído, nosso Senhor Jesus instituiu o sacramento de seu corpo e de seu sangue, chamado Ceia do Senhor, para ser observado em sua igreja até o fim do mundo, para ser uma lembrança perpétua do sacrifício que em sua morte ele fez de si mesmo; para selar, aos verdadeiros crentes, todos os benefícios provenientes desse sacrifício para o seu nutrimento espiritual e crescimento nele, e seu compromisso de cumprir todos os seus deveres para com ele, e ser um vínculo e penhor de sua comunhão com ele e uns com os outros, como membros de seu corpo místico.
2. Neste sacramento, Cristo não é oferecido a seu Pai, nem de modo algum se faz um sacrifício real para remissão de pecados dos vivos ou dos mortos, mas apenas se faz uma comemoração daquela única oferenda que ele fez de si mesmo na cruz, uma vez por todas, e, por meio dela, uma oblação espiritual de todo o louvor possível a Deus; assim, o chamado sacrifício papal da missa, como é chamado, é sobremodo ofensivo ao único sacrifício de Cristo, o qual é a única propiciação por todos os pecados dos eleitos.
3. Nesta ordenança, o Senhor Jesus constituiu os seus ministros para declarar ao povo a sua palavra de instituição, orar, abençoar os elementos, pão e vinho, e assim separá-los do uso comum para um uso sagrado; para tomar e partir o pão, tomar o cálice, dele participando também, e dar ambos os elementos aos comungantes, e tão somente aos que se acharem presentes na congregação.
4. A missa particular ou recepção do sacramento por um só sacerdote ou por uma só pessoa, bem como a negação do cálice ao povo, a adoração dos elementos, a elevação ou procissão para serem adorados, e a sua conservação para qualquer pretenso uso religioso, são coisas contrárias à natureza deste sacramento e à instituição de Cristo.
5. Os elementos exteriores deste sacramento, devidamente consagrados ao uso ordenado por Cristo, têm tal relação com o Cristo crucificado, que, verdadeiramente, embora só num sentido sacramental, são às vezes chamados pelos nomes das coisas que representam, a saber, o corpo e o sangue de Cristo; se bem que, em substância e natureza, conservam-se verdadeira e somente pão e vinho, como eram antes.
6. A doutrina geralmente chamada transubstanciação, que ensina a mudança da substância do pão e do vinho na substância do corpo e do sangue de Cristo, mediante a consagração por um sacerdote ou por qualquer outro meio é algo repugnante não só à vista das Escrituras, mas também ao senso comum e à razão; destrói a natureza do sacramento e tem sido a causa de muitas superstições e até de grosseira idolatria.
7. Os que comungam dignamente, participando exteriormente dos elementos visíveis deste sacramento, também recebem intimamente, pela fé, o Cristo crucificado, e todos os benefícios de sua morte, e deles se alimentam, não carnal ou corporalmente, mas real, verdadeira e espiritualmente; não estando o corpo e o sangue de Cristo, corporal ou carnalmente nos elementos, pão e vinho, nem com eles ou sob eles, mas estão, espiritual e realmente, presentes à fé dos crentes nessa ordenança, como estão os próprios elementos em relação a seus sentidos corporais.
8. Ainda que os ignorantes e os ímpios recebam os elementos visíveis deste sacramento, todavia não recebem a coisa por eles significada, mas pela sua indigna participação tornam-se réus do corpo e do sangue do Senhor, para sua própria condenação. Portanto, todos estes, como são indignos de gozar comunhão com o Senhor, são também indignos da sua mesa e não podem, sem grande pecado contra Cristo, participar destes santos mistérios nem a eles ser admitidos, enquanto permanecerem nesse estado.

CAPÍTULO 30: DAS CENSURAS ECLESIÁSTICAS
1. O Senhor Jesus, como Rei e Cabeça da sua Igreja, nela instituiu um governo nas mãos dos oficiais dela; governo distinto da magistratura civil.
2. A esses oficiais estão entregues as chaves do Reino do Céu. Em virtude disso, eles têm, respectivamente, o poder de reter ou de cancelar pecados; de fechar este reino a impenitentes, tanto pela Palavra quanto pelas censuras; de abri-lo aos pecadores penitentes, pelo ministério do Evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias o exigirem.
3. As censuras eclesiásticas são necessárias para chamar e ganhar (para Cristo) os irmãos transgressores, a fim de impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para lançar fora o velho fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a honra de Cristo e a santa profissão do Evangelho, e para evitar a ira de Deus, a qual, com justiça, poderia cair sobre a Igreja, se ela permitisse que o pacto divino e seus elos fossem profanados por ofensores notórios e obstinados.
4. Para a melhor obtenção destes fins, os oficiais da igreja devem proceder dentro da seguinte ordem, segundo a natureza do crime e demérito da pessoa: repreensão, suspensão do sacramento da Ceia do Senhor por algum tempo e exclusão da Igreja.

CAPÍTULO 31: DOS SÍNODOS E CONCÍLIOS
1. Para melhor governo e maior edificação da Igreja, deverá haver as assembléias chamadas sínodos ou concílios. Em virtude do seu cargo e do poder que Cristo lhes deu para edificação e não para destruição, cabe aos pastores e aos outros presbíteros das igrejas particulares criar tais assembléias e reunir-se nelas quantas vezes julgarem útil para o bem da Igreja.
2. Aos sínodos e concílios compete decidir, ministerialmente, controvérsias quanto à fé e aos casos de consciência; determinar regras e disposições para a melhor direção do culto público de Deus e governo de sua Igreja; receber queixas em casos de má administração e com autoridade decidi-las. Os seus decretos e decisões, sendo consoantes com a Palavra de Deus, devem ser recebidos com reverência e submissão, não só pela sintonia com a Palavra, mas também pela autoridade através da qual são feitos, visto que essa autoridade é uma ordenação de Deus, designada para isso em sua Palavra.
3. Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa.
4. Os sínodos e concílios não devem discutir coisa alguma que não seja eclesiástica; não devem imiscuir-se nos negócios civis do estado, a não ser por humilde petição em casos extraordinários, ou por conselhos, em satisfação de consciência, se o magistrado civil os convidar a fazê-lo.

CAPÍTULO 32: DO ESTADO DO HOMEM DEPOIS DA MORTE E DA RESSURREIÇÃO DOS MORTOS
1. Os corpos dos homens, depois da morte, voltam ao pó e vêem a corrupção; mas as suas almas (que nem morrem nem dormem), possuindo uma substância imortal, voltam imediatamente para Deus, que as deu. As almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas em santidade, são recebidas no mais alto dos céus onde contemplam a face de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção de seus corpos; e as almas dos ímpios são lançadas no inferno, onde permanecerão em tormentos e em trevas espessas, reservadas para o juízo do grande dia. Além destes dois lugares destinados às almas separadas de seus respectivos corpos, as Escrituras não reconhecem nenhum outro lugar.
2. No último dia, os que estiverem vivos não morrerão, mas serão transformados; todos os mortos serão ressuscitados com os seus próprios corpos, e não outros, embora com qualidades diferentes, e se unirão novamente às suas almas, para sempre.
3. Os corpos dos injustos serão, pelo poder de Cristo, ressuscitados para a desonra; os corpos dos justos serão, pelo seu Espírito, ressuscitados para a honra e para serem semelhantes ao próprio corpo glorioso de Cristo.

CAPÍTULO 33: DO JUÍZO FINAL
1. Deus já determinou um dia no qual, com justiça, há de julgar o mundo por meio de Jesus Cristo a quem, pelo Pai, foram dados o poder e o juízo. Nesse dia não somente serão julgados os anjos apóstatas, mas igualmente todas as pessoas que tiverem vivido sobre a terra comparecerão ante o tribunal de Cristo, a fim de darem conta de seus pensamentos, palavras e feitos, e receberem o galardão segundo o que tiverem feito, o bem ou o mal, por meio do corpo.
2. O fim que Deus tem em vista determinando esse dia é manifestar a sua glória – a glória de sua misericórdia na eterna salvação dos eleitos, e a glória da sua justiça na condenação dos réprobos, que são perversos e desobedientes. Os justos irão, então, para a vida eterna, e receberão aquela plenitude de alegria e refrigério procedentes da presença do Senhor; mas os ímpios, que não conhecem a Deus nem obedecem ao Evangelho de Jesus Cristo, serão lançados nos eternos tormentos e punidos com a destruição eterna, longe da presença do Senhor e da glória de seu poder.
3. Assim como Cristo, para afastar os homens do pecado e para maior consolação dos justos nas suas adversidades, quer que estejamos firmemente convencidos de que haverá um dia de juízo, assim também quer que esse dia não seja conhecido dos homens, a fim de que eles se despojem de toda a confiança carnal, sejam sempre vigilantes, não sabendo a que hora virá o Senhor, e estejam prontos a dizer: “Vem logo, Senhor Jesus!” Amém.