domingo, 3 de abril de 2011

Comer, Rezar e Amar

É com grande satisfação que publico esse texto, escrito pelo Pe. Mateus, homem de grande conhecimento bíblico-teológico e de história da Igreja. Padre Ortodoxo, Pároco da Paróquia São Mateus (Recife-PE), Vigário Geral do Brasil da Igreja Ortodoxa na América, Arcebispado do Equador, América Central e Sul. Apesar de todos esses títulos (ele não me informou nenhum, eu que pesquisei na rede) ele é um homem simples, desprovido de qualquer afetação. É daqueles que ficamos a "prosear" por horas sem cansar. Um misto de espiritualidade ortodoxa e lhaneza "matuta" (no melhor sentido que essa palavra pode ter). Esse é o Pe. Mateus (Antonio Eça). Espero que essa seja apenas a primeira das muitas contribuições dele para  o Crer é Também Pensar. Agora leiam o artigo e deleitem-se.

Sinopse

Um dos últimos grandes sucessos do cinema é o filme Comer , Rezar e Amar, protagonizado de forma brilhante pela já consagrada atriz, Julia Roberts. O filme é baseado no livro homônimo e autobiográfico da escritora Elizabeth Gilbert, que narra sua própria crise existencial quando ela se aproximava dos trinta anos e tinha tudo o que qualquer mulher poderia querer: um marido apaixonado, uma casa espaçosa que acabara de comprar, o projeto de ter filhos e uma carreira de sucesso. Mas em vez de sentir-se feliz e realizada, sentia-se confusa, triste e em pânico. Esta crise existencial, agravada pelo divórcio e um novo amor fracassado, a impulsiona a uma busca por Deus e de um sentido para sua vida; então, ela decide deixar tudo para trás (seus bens e sua carreira de sucesso) e embarca numa peregrinação pela Itália, Índia e Indonésia. Em Roma, estuda gastronomia, aprende a falar italiano e engorda os onze quilos mais felizes de sua vida. Na Índia dedicou-se à exploração espiritual e, com a ajuda de uma guru indiana e de um caubói texano surpreendentemente sábio, viajou durante quatro meses. Já em Bali (indonésia), exercitou o equilíbrio entre o prazer mundano e a transcendência divina. Tornou-se discípula de um velho xamã, e encontra o amor de um homem.

Comentário

A solução concebida por Elizabeth (a personagem real) para encontrar a Deus foi o aprendizado do hinduísmo. Tendo nascido e crescido nos Estados Unidos (nação gerada pelo ideal e cosmovisão do cristianismo protestante), Gilbert reproduz o sentimento predominante em uma grande parcela da sociedade americana e da Europa ocidental (particularmente entre pessoas de classe média-alta e intelectuais), o de que essencialmente o Cristianismo (que quase todos ocidentais pensam está dividido entre católicos-romanos e protestantes) não tem solução e respostas para as crises existenciais mais profundas, pois intuem que suas igrejas nada mais têm a oferecer do que moralidade, pragmatismo e utilitarismo.
O interesse da sociedade ocidental pela sabedoria indiana teve início nos anos 60 com o surgimento do movimento hippie nos Estados Unidos, o qual buscava construir uma sociedade alternativa àquela que eles estavam vivendo: uma sociedade capitalista, desigual, de moral hipócrita e dita cristã. Este vazio espiritual do Ocidente logo atraiu muitos gurus do Oriente, os quais fizeram muitas peregrinações para a América e até mesmo lá estabelecendo residência e seus centros de espiritualidade, preferencialmente na Califórnia. Em 1968 esta busca pela espiritualidade hindu ganharia um grande impulso no Ocidente a partir da viagem dos Beatles a Índia em busca de auto-conhecimento e paz interior, influenciados pelas palestras proferidas na Inglaterra pelo guru Maharishi Maheshi Yogi, falecido no ano 2008. Os jovens da época facilmente intuíram que a espiritualidade não poderia ser reduzida a cultura cristã como ela se lhes era apresentada: um conformismo social à moral e bons costumes das classes burguesas, mas ao chegarem à Índia também descobririam que ela era muito mais do que um modismo ou apenas um discurso alternativo moldado pelas conveniências pessoais ou de grupo.
A quase totalidade dos cristãos do Ocidente ignora o Oriente Cristão, e isto inclui, inclusive, muitos clérigos da Igreja Católica Romana e, principalmente, os Pastores Protestantes. Para a maioria dos ocidentais o Cristianismo subsiste em duas facções básicas: a Igreja Católica Romana (que pensam ser a igreja original) e as Igrejas derivadas da Reforma Protestante. Apartados por força de circunstâncias complexas de seus pais orientais, tornaram-se órfãos e se deixaram adotar por famílias estranhas, tais como o paganismo travestido de fé cristã, do humanismo renascentista, da racionalidade da modernidade e do iluminismo, bem como do pragmatismo e consumismo da pós-modernidade.
Estes seus pais adotivos puderam lhes proporcionar muitas coisas: conforto, riqueza, poder, luxo e glórias humanas, mas, não puderam alimentar suas almas e saciar sua fome e sede de Deus. Por isto viajam para a Índia e buscam conhecimentos esotéricos, pensando que lá encontrarão o alimento que os saciem, alienados dos grandes Tesouros espirituais da Tradição Apostólica. Estes cristãos ignoram por completo a sabedoria e as terapias espirituais dos Padres do Deserto (iniciada no séc. III nos desertos do Egito, Sinai e Síria); desconhecem totalmente o Hesicasmo (tradição monástica da qual as tradições hindus muito se assemelham) e jamais degustaram as riquezas dos ensinamentos da Filokalia (uma espécie de ontologia dos escritos monásticos) e da piedade pragmática contida nos ensinos dos Relatos de Um Peregrino Russo (obra produzida pela piedade popular da Fé Ortodoxa na Rússia) e, andam trôpegos e fracassados na vida de oração, sem disciplina pessoal por desconhecerem a ascese cristã e as riquezas do método denominado Oração de Jesus ou Oração do Coração e seus notáveis benefícios espirituais e pressupostos teológicos.
Assim, separados e ignorantes de suas raízes espirituais, os cristãos ocidentais se privam da seiva espiritual que nutre a vida da Igreja. Deus plantou a Árvore da Vida em Jerusalém (o Senhor crucificado e ressurreto) que espalhou os seus doze ramos (os Apóstolos) por todos os povos para a cura das nações (João 15; Ap. 22:2).
Pe. Mateus (Antonio Eça)
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