quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Maturidade da Igreja: História, Cultura e Universalidade


Por Robinson Cavalcanti



É objetivo de todo cristão comprometido promover a maturidade da Igreja, que, se por um lado, passa pela maturidade individual de cada um dos seus membros – da liderança, em particular – inclui elementos do coletivo e do institucional. Não há Igreja Madura sem uma relação sadia com a História, a Cultura e a Universalidade.



Nossa fé tem raízes no Antigo Testamento, em narrativas de um Deus presente na História, acompanhando um pouco que fez História, com seus altos e seus baixos. O nosso é o Deus dos Patriarcas, dos Reis, dos Profetas, dos Poetas, o Deus da Lei e da Aliança, o Deus dos exílios e das libertações. Essa narrativa prossegue no Novo Testamento, com Jesus de Nazaré, os discípulos e seus atos, e prossegue até a antevisão do final do drama histórico. Creio que nenhum cristão minimamente sério irá negar essa natureza histórica da nossa fé, pois nela se vai construindo um projeto do Reino de Deus.



A questão é: e depois da morte de João em Patmos? O óbvio é que o Deus do antes e do durante os dias do Messias, é o Deus do Espírito derramado em Pentecostes, o Deus da promessa de assistência e presença junto à Igreja "até a consumação dos séculos". Essa assistência a um novo povo de todos os povos gerou uma instituição, que definiu os livros canônicos, que definiu os Sacramentos, que definiu as doutrinas centrais caracterizadoras nos Credos, que estabeleceu o Governo Episcopal. Se houve altos e baixos em Israel, também o temos tido na Igreja, mas como negar o valor dos primeiros e universais Concílios, a reflexão dos Pais Apostólicos, dos Pais da Igreja, dos Reformadores, e de atos e atores contemporâneos?



Uma heresia infame, herdada e "aperfeiçoada" desde a Reforma Radical é a afirmativa de uma "apostasia geral da Igreja", com uma visão idealizada da Igreja Primitiva, platônica de um povo "bom" contra uma instituição "má", e que tudo que não é igual a tal "Igreja primitiva" seriam inovações do Imperador Constantino. E aí se decreta umas "férias" do Espírito Santo entre a morte de João e o nascimento de Lutero...



A primeira grande fragilidade, primeira imaturidade da Igreja é o "agorismo": o que valeria seria o tempo presente, que inventa a roda outra vez, que despreza e escarnece do passado, flutuando no ar, sem raízes, sem experiência acumulada, sem consenso, sem Tradição, a depender dos modismos de cada dia e da vaidade de cada super-líder. Temos afirmado e reafirmado que sem passado não há presente nem futuro; que sem História não há identidade, ou maturidade.



A segunda grande fragilidade diz respeito à Cultura. Vivemos em um tempo histórico e um espaço geográfico que são sempre culturais e sempre ideológicos. Em cada "lócus" há uma língua, usos, costumes, folclore, mentalidade, pensar coletivo, que marcam a rica diversidade da cultura humana, dom de Deus à humanidade. Não há cultura totalmente perfeita, em virtude do Pecado Original, e não há cultura totalmente imperfeita, pela presença dos ecos da ordem da criação e da graça comum.



O judaísmo sobreviveu não apenas porque sistematizou e institucionalizou uma religião, mas porque elaborou uma cultura. O Islã é tributário da cultura árabe. O Cristianismo assume cada cultura, para consolidar e expandir as suas marcas positivas e reformar ou substituir as suas marcas negativas. Até que ponto o nosso Protestantismo é brasileiro, ou nordestino? Estamos imersos em nossa prosa e em nossa poesia, em nossa maneira de ser? Durante mais de um século (e o surgimento do presbiterianismo independente, do movimento radical batista ou da confederação evangélica são marcas dessa busca de aculturação e inculturação).



Aí vem, mais uma vez, a doideira radical de que "nada na cultura brasileira presta, pois o que não é católico idólatra ibérico é feitiçaria africana e ameríndia". Deus tenha piedade de nós! O resultado é a importação desenfreada e acrítica de tudo o que é modismo forâneo, com um macaqueamento triste, com brasileiro até falando com sotaque, e se comemorando nas Igrejas, no dia 31 de outubro, não o Dia da Reforma, mas a festa de Halloween...



Cadê a História? Cadê o Brasil? Cadê – nas palavras do poeta – o "ama com fé e orgulho a terra em que nasceste"?



A terceira fragilidade diz respeito à (falta de) Universalidade. O Espírito Santo foi derramado sobre toda a carne, a Igreja tem estado, por séculos e séculos, em muitas partes do mundo, e se expande hoje sobre muitas partes mais. E daí? E daí que ninguém tem interesse de conhecer e aprender com a riqueza da Igreja espalhada em todo o globo, e ver o que o Senhor está operando, de forma peculiar, em cada continente. Vive-se o samba de uma nota só da influência cultural norte-americana. Como na época da cultura greco-romana, somos marcados pelos "helenistas", os estrangeirizados em uma direção só.



Meu Deus! Que pobreza de espírito, que estreiteza de mente? O que vem de um império tem apenas a autoridade geo-político-econômica dos impérios, mas não quer dizer que seja o melhor, ou muito menos o único.



Cadê o mundo? Cadê o bi-milenar ou o recente não-anglo-saxão?



Abir-se para a riqueza da História, superando o "agorismo"; abrir-se para as raízes do Brasil, superando-se a nossa auto-demonização ou a divinização de onde há o demônio; abir-se para o mundo onde Deus está agindo, além de Hollywood, são, dentre outras variáveis, pré-condições fundamentais para uma Igreja Madura, porque sã.



Apesar das evidências contrárias de hoje, fica o desafio.




Robinson Cavalcanti é Bispo Diocesano

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